01. Perseguidores no beco

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Fez-se de tonta diante dos assobios, pois a presença dos estranhos indivíduos fez o medo tomar seu corpo.

- Ei, boneca! Vem cá se divertir com a gente - ecoou uma das vozes embriagadas.

Apertando os passos para chegar ao outro lado do beco, pôs-se a vasculhar a própria bolsa, buscando encontrar o abridor de envelopes. Não achou. O ruído dos passos atrás de si indicou que também aceleraram a caminhada.

- Volta aqui, princesa... - disse outro, interrompido pelo próprio arroto - Aposto que vai curtir um rolezinho no nosso cafofo!

O curto tempo desde que as abordagens começaram parecia uma eternidade, bem como a avenida movimentada nunca chegava. O suor lhe escorria pelo pescoço enquanto imaginava todas as assustadoras possibilidades do que poderia ocorrer. Os passos rápidos viraram uma corrida, acompanhada de gritos desesperados.

- Socorro! Alguém me ajude! - lançou através da goela, aguda e rouca.

Poucos passos até a calçada da avenida.

- Ei, moço! - gritou, em vão, para um senhor de terno alinhado que passou pela saída do beco.

Atingiu a calçada. A corrida cessou. Misturou-se com os estranhos no ponto de ônibus, em frente ao beco de onde saiu. Sirenes passando, alto-falantes dos bares no máximo, carrinhos de lanche com suas frituras barulhentas, motores rugindo, discussões acaloradas e brigas sangrentas. Deu-se conta de que um grito vindo do beco é apenas um sussurro inaudível diante do caos da região. A metrópole grita mais que todos.

- Com licença, senhora! - respirou fundo, recuperando-se da corrida - Poderia me dizer se aqui passa o...

- Sei de nada, menina! Não tenho dinheiro! - teve como resposta, interrompida pela fala agressiva.

Da entrada do beco, seus perseguidores a observavam estáticos, sem tirar um sorriso mal-intencionado do rosto, como se fossem hienas prestes a atacar um cervo indefeso.

- Moço! Pode me dizer se...

- Oi, docinho! Vem comigo que eu te digo o que quiser... - interrompeu outro, sem compaixão.

Ainda insegura, afastou-se do ponto de ônibus.

Já na esquina, avistou os temidos indivíduos andando calmamente em sua direção, confiantes de que nada os impediria de alcançá-la. Olhou adiante e notou, do outro lado da rua, uma viatura estacionada, ao lado da qual havia três moças viradas de frente para um muro, com as mãos apoiadas acima da cabeça e os pés afastados entre si. Quatro homens vestindo fardas pretas tocavam os corpos das jovens em busca de algo. Entre ela e o que parecia ser um grupo de policiais estava a avenida movimentada, impedindo a travessia devido ao grande fluxo de veículos. Olhou novamente para trás e percebeu, apenas a dez passos de si, os homens assustadores parados, gargalhando de seu medo como se fossem alimentados pelo sadismo da situação. As atitudes confiantes dos perseguidores aumentavam cada vez mais seu desespero, o que era acrescido pela aparente falta de empatia dos que passavam ao redor. A impŕessão era de que muitos ali percebiam o que ocorria, contudo era visível também que o medo constava na face de todos, transparecendo a sensação de que cada um já tinha o peso de seus próprios infortúnios para cuidar, sem espaço para problemas alheios.

A demora para que o trânsito desse trégua foi explicada quando observou o semáforo.

- Vai esperando o sinalzinho vermelho, gatinha! Vai com fé que ele vem! - berrou, cinicamente, o mais baixinho do grupo de assediadores.

- Merda de sinal quebrado! - lamentou, enrugando o queixo e apertando a vista. Fungou e levou a mão ao rosto para enxugar mais uma lágrima, sentindo o mais profundo desamparo.

Perdendo as esperanças de conseguir atravessar no local, tornou a vasculhar a bolsa em busca de algo para se defender. Virou-se à direita e prosseguiu caminhando, sem deixar de procurar pelo abridor de cartas. Seguiu em paralelo a pista, na expectativa de encontrar um outro ponto que a possibilitasse atravessar, para que assim chegasse aos supostos agentes de segurança e pedisse ajuda.

Uma sensação gélida percorreu a espinha quando percebeu o quão deserto se tornava a rua conforme andava. Fora os carros, indiferentes a tudo que ocorresse nas calçadas, havia apenas poucos postes acesos e casas trancadas. No geral, era um percurso permeado por fachadas escuras e muitos postes apagados.

- Finalmente achei essa merda! - comemorou, pegando o objeto pontiagudo de dentro da bolsa e o segurando firme na mão direita.

Os passos aceleraram. Quanto mais caminhava, menos movimento encontrava. Os sons da avenida principal foram se distanciando até sumirem. Atrás de si, apenas vinha o som de seus perseguidores gargalhando. À frente, um rumo de caminhos desconhecidos.

- Olha só ela! Já sabe até a direção que eu moro! Isso aí... Vai na frente, amorzinho! - disse, o mais alto deles, investindo no pavor da vítima.

Após alguns minutos de perseguição, o pranto tomou-lhe. Percebeu que não conseguiria se afastar rápido o suficiente. Virou-se na direção dos homens e, de trás de um poste, como se isso fosse protegê-la, gritou na direção dos indivíduos.

- O que querem de mim, seus filhos da puta! Me deixem em paz!

Tamanho foi seu desespero que demorou a notar que eles já não estavam mais indo em sua direção. O pranto tornou-se mais silencioso e deu espaço para um estado de confusão.

- Que merda é essa?

A falta de iluminação não permitia enxergar exatamente o que ocorria, porém era possível perceber que dois dos perseguidores se encontravam deitados ao chão, imóveis sob a luz de um único poste aceso. Ao fundo, a rua fez-se em trevas. Era perceptível alguma movimentação raivosa vindo daquela direção. Os carros pararam de aparecer e algo não identificável se manifestou de dentro das sombras, causando sons secos, semelhantes aos do martelo de um açougueiro amaciando a carne.

- Socorro! Aaaaa...

Ironicamente, os gritos de socorro começaram a surgir da direção dos perseguidores, ecoando de dentro daquelas sombras. Mais um se juntou aos que estavam no chão. Pelo que era visível, foi lançado ao concreto com fúria.

Forçando mais a visão, notou que uma parte do indivíduo havia se separado do corpo, parecendo ser um braço decepado.

Um novo pavor tomou seu rosto. Começou a andar para trás, sem tirar os olhos da direção dos corpos inanimados de seus perseguidores, perto dos quais alguém surgiu das sombras, revelando uma silhueta que não se parecia com a de nenhum dos assediadores. Era alguém bem maior. Com certeza, algo maior.

- Que porra é essa?

Pôs-se a correr novamente, mas foi interrompida. Alguém a puxou bruscamente para dentro de uma das casas, a única com porta aberta.

- Quieta, moça! Senão ele vem pra cá...

Foi imobilizada pelo estranho enquanto ouvia o algoz de seus perseguidores se aproximar. O desconhecido também parecia apavorado com a iminência da chegada de quem quer que estivesse vindo. Ele a segurou por trás, tapando sua boca com uma mão e a imobilizou pela cintura com o braço.

- Você não deveria estar aqui, moça! Vou te soltar, mas prometa que não vai gritar, senão estamos ferrados! - sussurrou, o homem.

A protegida e o demônioWhere stories live. Discover now