4. Todas as roupas emprestadas

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Foi só alguns anos depois, quando já cursava a faculdade de artes que Taehyung entendeu que não se atraía apenas pelas garotas do curso - e foi na mesma época que Jimin também entendeu o mesmo, só que por um caminho quase contrário.

Taehyung tinha se apaixonado por um dos modelos da aula de pintura chamado Seokjin, um veterano das artes cênicas realmente muito bonito e que vivia seminu ou mesmo completamente pelado para que os alunos de belas artes o desenhassem durante as aulas. Era difícil olhar para um corpo tão atraente e não sentir nada, pelo menos para aquele calouro tentando se concentrar - em vão - em apenas traçar na tela os contornos da pele e dos músculos do outro. Depois das aulas, tentava conversar com o modelo, averiguar o que ele mesmo estava sentindo para, quem sabe, poder ter permissão para sentir sua inspiração nas próprias mãos. No meio do processo de perceber que, porra, estava muito a fim daquele cara, notou também que a paixão não era exatamente correspondida, embora Jin flertasse com o aspirante a desenhista - e com todas as pessoas. No contato que tiveram, observou que aparentemente, as piscadelas, piadinhas maliciosas e elogios eram só o jeito que o mais velho encontrava para disfarçar sua própria timidez e se sentir mais à vontade já que posava por dinheiro e não por um dom.

Durante aqueles primeiros semestres universitários - que acabaram fazendo na mesma cidade, no mesmo campus, e inclusive o mesmo curso - ainda que com ênfases diferentes - era comum que Taehyung dormisse sempre na casa do amigo mais antigo. O amigo dividia um apartamento com dois garotos divertidos e receptivos. Hoseok era um veterano de Jimin, que anunciava uma vaga na casa quando o mais novo estava para se mudar. Jungkook chegou depois, quando o outro rapaz que morava na casa e Jimin mal tinha visto porque ele trabalhava ao mesmo tempo que estudava se mudou. O menino tinha acabado de se formar no ensino médio, e formava uma inusitada dupla organizada e centrada, em contraste com o amigo de Taehyung, que por ser muito disciplinado nos estudos, acabava relaxando completamente em casa. O estudante de desenho estava acostumado com aquele jeito, não se importava e também gostava das companhias, já que morava só.

Estar com seu amigo mais antigo permitia também que divagasse sobre suas questões. Por muitas madrugadas depois que saíam juntos e iam dormir na casa um do outro, Jimin havia testemunhado a mesma expressão que via no rosto de Taehyung, naquela noite à meia luz. Ao contrário de Jimin, que tendia a guardar seus dilemas para si, o outro rapaz gostava de debater e discutir o que sentia. Quando ainda eram calouros, os dois chegaram a brigavam algumas vezes - resquícios das provocações de adolescentes que acompanharam a dupla no começo da vida adulta. E algumas vezes eles se desentendiam justamente porque Jimin acabava caindo no sono enquanto ouvia os monólogos cheios de dúvidas existenciais do outro, o que era considerado indiferença. Não era de propósito e eles foram se entendendo aos poucos, com diálogo. De qualquer modo, as noites ajudaram Taehyung a concluir que, mesmo sem ficar com o cara que precisava desenhar nu, se atraía por ele, e outros homens não precisavam ficar sem roupa para que se interessasse. Entendeu que aquilo, de algum modo, definia um pouco mais quem ele era diante do mundo.

Na mesma época, Jimin havia começado a ensaiar para um espetáculo, depois de alguns testes para se juntar a uma companhia de dança. Não esperava, mas se sentia tão encantado com a delicadeza de uma das bailarinas veteranas nos bastidores que chegou a duvidar se não seria ele que estava vendo coisas onde não existiam. Ela estava o correspondendo? Dançar com ela tinha algo diferente das outras dançarinas, e os dois se pegavam ansiando e arrumando desculpas para ficarem mais tempo juntos e a sós. Não podia ser porque ela queria ficar com Jimin, podia? E ele? Estava sentindo desejo por uma mulher depois de tanto tempo se interessando apenas por homens? Quando a acompanhou até em casa depois de uma noite que a rotina de dança havia se estendido demais, decidiu se arriscar, porque precisava saber o que estava acontecendo. Para seu encanto e surpresa,  quando segurou a cintura de Paola e se aproximou, ela murmurou um Finalmente. Pensei que você não queria. Ela segurou seu rosto e o beijou, e antes de entrar em casa os dois confessaram seus sentimentos.

Caminhando de volta para casa, teve um diálogo com sua própria mente e entendeu que era como Taehyung. Não gostava de uma ou outra coisa, homens ou mulheres. Gostava de todas as pessoas e ficaria com quem o correspondesse. E ele estava apaixonado por Paola, não estava? Bem, o tempo provou que sim, porque ele pediu para namorar com ela depois de alguns encontros.

O namoro com Paola durou alguns meses, até ela ganhar uma bolsa na Alemanha e se mudar para lá com todo o apoio do namorado, ainda que ele apenas fingisse estar bem com a decisão da partida. Na realidade, ele estava arrasado, e Taehyung o consolou, como bom amigo que era. Aos poucos, o raro contato virtual que Jimin tinha com a ex-namorada nos protótipos de redes sociais da época foi se tornando mais escasso. Ele ainda a acompanhava de longe, na esperança que ela um dia voltasse, e os dois pudessem ficar juntos. No entanto, foi percebendo que era muito certo que ela ficaria longe, e consequentemente, se tornava maior a sua vontade de estar perto. E para completar, não sentia interesse em outras pessoas, porque ainda se consumia em saudades da dançarina.

Numa madrugada em que tinham voltado para casa, direto do bar em frente ao campus, e já estavam alterados, Taehyung entrou em mais um monólogo sobre sua sexualidade e se chamava mais uma vez de bissexual não-praticante e frustrado, quando Jimin reclamou em voz alta algo que teria guardado para si, não fosse a bebida.

"Você só tem vinte e dois anos, Tae! Você tem tempo pra descobrir na prática do que gosta. E não está em idade de sofrer!" Jimin soltou uma risada irônica, se lembrando que aquele tom e aquele conselho pareciam justamente algo que o pai do amigo diria.

"Humpf! Parece meu pai falando!" Taehyung cruzou os braços, fechando os olhos, e quase perdeu o equilíbrio sobre a cadeira da sala de seu apartamento. "Você também tem vinte e dois anos, Jiminie! E você não para de sofrer pela Paola!"

Jimin soltou um lamento e deitou a cabeça sobre a mesa.

"Eu não tenho culpa de amar uma mulher independente que quer viver do outro lado do mundo, e menos culpa ainda de não ter dinheiro pra ir atrás dela!"

Taehyung afagou os cabelos do amigo e deitou a cabeça ao lado do outro.

"Jiminie, ela não vai voltar..." Jimin já nem chorava pelo assunto, mas soltou um suspiro alto e encarou Taehyung nos olhos. "Ela vai seguir carreira lá, ela é talentosa. E você também é, mas foi você mesmo quem disse que não tem joelho pra tentar uma vaga numa academia exigente como as de lá. E eu não aguento mais ver você assim!"

Os dois permaneceram em um silêncio triste, até Jimin quebrá-lo.

"Não vou me apaixonar mais, e vou esquecer dela." um soluço interrompeu o tom confuso "Vamos virar piranhas completamente vagabundas?"

A sugestão de Jimin foi recebida com uma gargalhada, que Jimin rebateu e reafirmou com um "Tô falando sério!" que também veio entre risos.

"Não quero mais me apaixonar, mas preciso me envolver com outras pessoas! Não pra magoar ninguém, mas... pra eu lembrar que tem mais gente no mundo além dela" 

"Tá certo, Jiminie!" Concordou Taehyung, abrindo seu sorriso quadrado mais espontâneo. "E quem se apaixonar primeiro perde!"

Jimin esticou o dedo mínimo na direção do amigo, que trouxe o próprio mindinho esticado e o entrelaçou ao de Jimin.

"Quem perder tem que devolver todas as roupas emprestadas do outro."

Jimin concordou e sugeriu que registrassem por escrito a promessa, como quando eram crianças e faziam contratos em folhas de caderno para empréstimos de fitas e DVDs dos filmes que se emprestavam. Taehyung disse que estavam bêbados demais pra redigir um contrato, então registraram com uma foto dos dedos entrelaçados, e, como um lembrete da promessa, a foto em poucos pixels que gastava quase toda a limitada memória dos aparelhos antigos ficou como plano de fundo dos celulares deles.

melhor que dedinhos entrelaçados | vminWhere stories live. Discover now