Estágio Inicial

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Boa leitura.

É estranha a maneira como consigo expressar tão bem meus sentimentos em uma folha de papel da qual eu sei que não vai me dar uma resposta, ou entender minhas aflições. Na minha cabeça não faz sentido contar meus segredos e fraquezas para alguém, até porque as pessoas não são confiáveis, na primeira oportunidade que tem, pisam e passam por cima de você como se não existisse nada além da conquista pessoal delas. O mais engraçado de tudo é o fato de que as pessoas confiam em mim, ou almenos parece que confiam.

Muita gente já me disse que tenho algo diferente, é claro que todo mundo já ouviu isso na vida, talvez uma ou duas vezes, mas muitas pessoas já me disseram isso. É igual aquela teoria que diz que uma vez é acidente, duas é coincidência e três ação do inimigo. Não penso que existe alguém conspirando contra mim, mas ouvir isso tantas vezes de pessoas completamente diferentes me dá medo. Não acho que eu seja digna de tantos elogios, confiança, e não acho que tenho nada de especial.

As coisas no geral foram estranhas pra mim, toda minha vida não foi normal, isso me deixou com algumas sequelas na vida adulta. Confiar nas pessoas nunca foi uma opção pra mim, só de pensar em alguém descobrindo todo meu passado traumático me deixa apavorada.

- O que está fazendo? - Fechei meu caderno rapidamente, enquanto Sara se sentava ao meu lado.

- Nada. Só umas anotações.

Estávamos no refeitório da universidade, todos aqueles alunos e o barulho me deixava tranquila, eu odiava o silêncio, odiava ficar sozinha apesar de sempre me sentir sozinha. O tumulto, o caos, eram como minha endorfina.

- Preciso te contar uma coisa. - Sara parecia aflita, as mãos suavam e me parecia que ela não dormia a dias, eu sabia disso porque às vezes eu tinha olheiras tão grandes como as dela agora.

- O que houve?

- Antes de dizer, tem que prometer que não vai me julgar. Sei que posso confiar em você, mas se alguém sequer souber sobre isso eu não sei o que eu posso fazer

- Você está começando a me deixar nervosa, o que está acontecendo? Alguém te machucou?

Nunca tinha visto ela daquele jeito, o modo como ela olhava assustada para todos os lados, como tremia, parecia tão... assustada.

- Eu... transei com um cara a um mês atrás. - Engoliu em seco, me aproximei um pouco mais dela e segurei sua mão.

Nunca fui boa em acolher e principalmente tranquilizar as pessoas, mais Sara era uma pessoa próxima de mim, pensar em alguém fazendo mal a ela me deixava possessa.

- Esse cretino fez alguma coisa com você? - Negou.

- Foi consensual, mas nós não usamos camisinha Hailee. - Os olhos dela lacrimejaram e lágrimas começaram a rolar.

- Você está grávida? - Sussurrei e ela assentiu. - Ai meu Deus.

Não queria que aquela fosse minha reação inicial, mas eu estava em choque, minha boca abria mais nenhuma palavra saia, eu não fazia a menor ideia do que dizer para tranquilizá-la. Nunca tinha passado por uma situação como a dela, ou sequer conhecia alguém que tivesse. Essa era a parte ruim de ter a confiança de alguém, ela vai achar que você vai poder resolver todos os problemas dela.

- Eu não sei o que fazer. Eu mal consigo cuidar de mim mesma, imagina uma criança!

- Respira Sara. - Apertei sua mão. - Você contou para o pai? Está pensando em abortar?

- Eu não sei! Eu não sei o que eu faço, ou o que pensar, eu só não quero uma criança na minha vida. Vai acabar com tudo, a faculdade, meu namoro, eu não posso ficar com ela.

Aborto sempre foi um assunto muito delicado, cada um tinha uma opinião sobre, a minha sempre foi que a mulher tinha o direito de fazer o que quisesse com o próprio corpo, só que a ideia de tirar um ser por irresponsabilidade no ato sexual não me agradava muito.

- Precisa contar pra ele. Quem quer que seja tem o direito de saber, seja qual for sua decisão. Você também precisa contar ao Bryan.

- Não posso! Ele vai me odiar para o resto da vida Athena. Não vou suportar perdê-lo por ter sido uma idiota irresponsável.

- Bryan te ama! Isso aconteceu antes mesmo de vocês se envolverem, você não teve culpa Sara. Ele vai entender, você melhor que ninguém sabe disso. - Enxuguei as lágrimas dela. - Me desculpa, eu devia ter percebido que tinha alguma coisa errada acontecendo.

- Não tem que se desculpar, a culpa é toda minha. Você sempre me disse que essa coisa de transar sem camisinha era perigoso e eu nunca dei ouvidos.

- Não era só sobre engravidar Sara, existem várias doenças.

- Eu sei, mas aprendi a lição. Juro por tudo o que é mais sagrado que nunca mais transo sem camisinha. - Limpou o rosto. - Obrigada por me ouvir e entender Hailee, não sei o que eu faria sem você. - Me abraçou.

Nunca fui muito boa com abraços, mas ela precisava de um apoio sincero, então a abracei, do meu jeito desajeitado e não muito normal, mais retribuí. Ela me pareceu ficar mais tranquila, e relaxada, as lágrimas já não caiam mais. O que me fez questionar o que as pessoas viam em mim que dava tanta tranquilidade a elas.

Eu gosto da Sara, ela me faz imaginar como seria se tivesse uma família como a dela. Será que eu seria tão amada quanto ela é pelas pessoas? Que eu seria compreensiva? Que faria algumas besteiras e me desesperaria, mas que logo passaria porque eu teria pessoas que me ajudariam? Uma mãe amorosa, um pai que apoia, irmãos que por mais irritantes que sejam nunca iriam me deixar sozinha quando eu mais precisasse. Sempre sonhei com uma vida assim, mas nunca passou disso. Um sonho. Porque ele jamais se tornaria real. Minha realidade estava longe da perfeição.

Existia tanto desespero e medo impregnado dentro de mim, que por muito tempo pensei que todos pudessem ver a quilômetros. Dizem que precisamos de momentos ruins para dar valor aos bons, mas minha vida ultimamente só tem tido momentos horríveis. Desde criança nada foi fácil, eu basicamente tive que cuidar de mim mesma, porque meus pais sempre estiveram preocupados com eles mesmos, ser indesejada sempre esteve bem claro pra mim.

Ser criança foi difícil, mas a adolescência foi muito pior, eu não gosto de lembrar das coisas pelas quais passei, me dava náuseas, me traz uma nostalgia nada boa. O mundo parecia gigantesco e eu me sentia minúscula como uma formiga. Me esconder sempre pareceu muito fácil e seguro, ninguém podia se aproximar demais se eu me afastasse e fosse invisível, mas as pessoas tinham tendência a quererem ficar próximas, o mais estranho de tudo era que eu não faço a menor ideia do porque. Talvez elas pensem que sou frágil e que podem se aproveitar, mas aprendi algumas coisas com toda a dor e traumas.

A única pessoa que pode me erguer sempre foi, e sempre será eu mesma.

Tiveram muitos momentos que não quis me levantar, ou que quis que tudo acabasse, mas sempre existiu algo maior dentro de mim, que grita que eu não posso desistir, que eu devo lutar porque eu nunca fui covarde, as pessoas não sabiam do meu passado, e nunca saberiam, ninguém diria que tive uma vida caótica porque nunca deixei que vissem meu lado caótico. Sempre fui uma garota exemplar, que nunca deu trabalho, que nunca fez nada de errado na vida. Essa imagem de boa moça está gravada na mente das pessoas que pensavam que me conhecem de verdade, se dependesse de mim permaneceria assim, porque se existe uma coisa da qual eu sempre fui excelente foi em esconder meus traumas e escuridão, eu espero que isso se estenda a um longo e interminável tempo.

Os Segredos de AthenaWhere stories live. Discover now