ÚLTIMA DANÇA

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ANGELIC...

Meus pés doem toda vez que batem contra o chão, mas eu me recuso a parar de correr antes dos três benditos quilômetros. Essa deve ser minha melhor qualidade: a persistência. Eu corro como se minha vida dependesse disso, mas finjo que não estou sentindo os músculos inferiores queimarem. Cantarolo a música que está tocando nos fones, para prestar atenção em algo além do cansaço.

Maldita curiosidade. Por que eu fui ao Bronx? Por que precisei ver LeBlanc sendo cruel para ter certeza de que ele era cruel? Agora minha cabeça gira ao redor do mesmo assunto.

Tento focar na letra da música gritando em meus ouvidos, mas, honestamente, é difícil não pensar no sentimento despertando em mim. É novo, é forte, é quente. E tudo isso é ainda mais intenso perto dele.

No entanto, eu sou uma garota religiosa. Eu acredito nos planos de Deus, e sei que Ele jamais planejaria LeBlanc para mim. Eu creio que mereça algo melhor. Ele é um homem atraente, e isso todas as vizinhas podem confirmar, mas isto não quer dizer que eu queira tê-lo. É apenas curiosidade.

Inevitavelmente, chego em casa. Eu me levei ao limite tanto quanto poderia. Entro na marquise e avisto a Bugatti de Bruce – como se esse fosse seu nome verdadeiro – logo à frente. E para a surpresa de ninguém, as vizinhas casadas, para a infelicidade delas mesmas, também resolveram fazer uma caminhada.

Elas usam o que mais lhes favorecem. Se tiverem silicone, então usam blusas curtas e apertadas. Se tiverem lipoaspiração, então fazem questão de mostrar seus abdomens lisos.

Eu diminuo o passo quando subo os degraus de entrada, mas nego que esteja fazendo isso para analisar os detalhes do carro. Estou apenas cansada da corrida.

Do outro lado da calçada, duas mulheres jovens estão sobre suas bicicletas. Bem, elas certamente têm silicone e lipoaspiração, pois estão usando roupas que fariam o Padre Bee erguer o terço ao vê-las. As mulheres conversam despretensiosamente, como se não tivessem parado em frente à mansão Donneli apenas para serem vistas despretensiosamente por LeBlanc quando ele sair.

Uma delas é Maria Glyn, uma mulher realmente jovem que se casou com um homem realmente velho, no auge de seus setenta anos. Há quem diga que ela tem interesse financeiro, mas a verdade é que ninguém além dela suportaria a arrogância de George Glyn, então ela lhe fez um favor ao aceitar seu pedido de casamento.

As duas mulheres conversam por mais alguns segundos, depois se colocam a pedalar para longe da casa. Claro, elas sempre podem voltar amanhã no mesmo horário.

Termino de subir os degraus, abro a porta e entro. Desligo a música e retiro os fones, deixando tudo na mesa do hall de entrada.

Minha mente continua reprisando a cena da última noite. Ele bateu em Max, mas não foi por mim, foi para reafirmar seu poder sobre tudo que acontece no Bronx. Seria impossível ser mais ridículo.

Estou quase subindo as escadas quando vejo uma figura se movimentar no exterior da casa, na área da piscina. Pela tradicional camisa colorida e calça preta, reconheço Vicenzo Mares.

Respiro fundo. Dou meia volta e caminho até ele, passando pelas grandes portas de vidro. Eu não esqueci nossa última conversa, e por isso tenho vontade de jogá-lo na piscina. Como diria minha professora de etiqueta, a graça está no presente.

Ao me aproximar, noto que ele está falando ao telefone. Paro à uma distância segura, para não invadir sua privacidade. Eu não sou como ele. Vicenzo me vê e acena, estendo um dedo para indicar que levará apenas um minuto.

- Certo. Nos acertamos depois – ele termina a ligação e guarda o celular no bolso – Angelic – cumprimenta. Ele sorri, e eu nunca sei se está vendo alguém de quem gosta ou se enxerga apenas os cifrões que vai fazer. Provavelmente ambos.