Capítulo 3: Silêncio

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No fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder
Me esquecer.

- Nana Caymmi, Resposta Ao Tempo


Acordar nem sempre parece algo bom, ela estava tão cansada, esgotada de tudo. Não teve tempo para digerir a brusca mudança, apenas pegou o trem e seguiu - firme, na medida do possível. Não descansava. Não parava um segundo sequer.

Havia algo naquela manhã tão diferente, um alívio - estranho alivio. Ela sabia que voltaria aos tempos felizes assim que colocasse os olhos sobre ele, também sabia que teria que lidar com uma nova leva de sentimentos engavetados e com uma situação específica que a incomodava haviam anos. Quem dera pudesse ela retornar e fazer tudo diferente, quem dera ele tivesse ido... esqueça isso. Já passou. Já foi embora.

Noites não dormidas foram escondidas pelo pó de arroz, o vestido florido, os cabelos presos e alinhados perfeitamente. Nos lábios o rosa singelo que gostava, a presilha enfeitando o penteado, joias de família brilhavam cintilantes.

O cair da tarde e um certo nervosismo pelo caminho. Elisa com o vestido azul, Isadora de laranja, Heloísa gostava de verde, Berenice preferiu o vermelho, Violeta quis o estampado a pedido de Júlia, silêncio ensurdecedor.

- Mamãe está mais nervosa que a Dinda Júlia! - Disse Elisa.

- Não estou nervosa.

- Está sim! Te conheço como a palma da mão, mamãe! Não se preocupe, vai ser bom sair um pouco. - Segurou a mão da mãe. - Não precisa ficar nervosa.

Respirou fundo, o festejo seria ao ar livre, já podia ver os convidados perambulando pelo espaço, seus olhos procuravam alguém específico, contudo, só avistou antigos conhecidos não tão importantes.

- Ele ainda não chegou. - Cochichou Júlia assustando Violeta.

- Ele quem? Está maluca?

- Te conheço, Dona Violeta Camargo!

- Tapajós. Estou viúva, mas o nome segue o mesmo.

- Vamos ver até quando o nome do excelentíssimo durará.

- Pode, ao menos, respeitar a memória de meu marido?

- Nunca gostei dele e sabe muito bem.

- Mas eu gostei. Muito, se quer saber. Somente os últimos anos foram ruins.

- Você aprendeu a gostar dele, é diferente. - Júlia foi sincera. - Agora vamos, preciso de ajuda com meu vestido!

Júlia usaria branco, Constantino pediu a ela. O vestido delicado deixaria ela estonteante, os cabelos louros estavam presos com a presilha que ganhou da mãe.

- Papagaios, Violeta! - Gritou ofegante. - Vai me deixar sem ar!

- Já viu espartilho folgado? - Gargalhou.

- Não, deve dar azar! - Sorriu. - Quero estar como uma ampulheta! Pode apertar.

Colocou o vestido e sorriu frente o espelho, satisfeita olhava o reflexo, tinha a amiga logo atrás também sorridente.

- Está bela como no dia que casou. - Elogiou.

- Obrigada, e você sempre ao meu lado, Vio. - Se olharam.

- Sempre ao seu lado, Júlinha. - Uniram as mãos.

- Minha amiga, prezo muito pela tua felicidade. - Sorriu emocionada. - Não deixa aquele homem apagar o que tem de melhor em você.

Tempo Para ViverWhere stories live. Discover now