03 - Curiosidade, quartos vazios e rancor

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- Minha senhora! Minha senhora!

Um homem de meia idade, de pele extremamente clara, adentrou esbaforido os aposentos da soberana daquele lugar. Vestia uma túnica clara de lã, e assemelhava-se a um sacerdote. Estava visivelmente nervoso, chegando até mesmo a respirar com dificuldade.

- Senhora, desculpe-me por invadir com tamanha ousadia vossos aposentos, mas é que temos uma emergência, e...

- Acalme-se, Basco. Já fiquei sabendo da emergência olhando pela janela.

- Mas então... o que devemos fazer, Vossa Santidade? Quais são as vossas ordens?

- Permitam que os desconhecidos adentrem a torre.

- O quê? Mas...

- Faça isso, Basco, estou curiosa.

- Sim, senhora Tecedeira.

O homem atirou-se porta afora, com o mesmo aturdimento com o qual havia entrado, para transmitir as ordens.

A Tecedeira, senhora não só daquela torre, mas de todo aquele mundo, continuou a observar pela janela, intrigada. Encontrava-se em um dos andares mais altos, mas era perfeitamente possível enxergar a embarcação a vapor. O ambiente era austero: um criado-mudo, uma cama e um baú formavam a mobília, e as paredes exibiam uma monótona cor de chumbo. Ela remexia os pequenos fios dourados que circulavam o capuz de sua túnica, puxando pela memória. Não havia ela mudado os códigos para a magia de abertura de sua dimensão, desde a visita de seu antigo colega?

Sempre que recebia pessoas da dimensão original, coisa que dificilmente acontecia, ela tratava de alterar a configuração da chave para Tecelli, o seu mundo. A última visita tinha sido há míseras duas semanas, e na ocasião, ela lembrava-se de ter feito a alteração. O que significava então aquele navio surgindo do céu?

Aquilo era praticamente impossível. Como poderiam ter adentrado Tecelli sem contatá-la antes? Havia formas de comunicação mágica entre dimensões, o que era fator indispensável para que ela mesma desse passagem aos visitantes. Então havia no navio alguém que não só conhecia os códigos da chave, como também possuía poder suficiente para realizar a magia. Isso precisava ser investigado.

Continuou a observar enquanto o navio pousava na terra, e duas pessoas saltarem dele. Pareciam ser um homem e uma mulher, mas a distância era grande, e ela não poderia afirmar com certeza. Após um tempo, uma terceira pessoa saltou. À Tecedeira, parecia vagamente familiar.

- Vamos resolver este mistério perguntando diretamente à fonte.

A velha senhora ajeitou sua túnica e saiu calmamente do quarto, para ir ao salão principal da torre, fechando a porta atrás de si.


******************


Atracaram. Com a nau próxima ao chão, mas sem efetivamente tocá-lo, Toni e Ren saltaram. Observando o lugar, podiam notar como era árido. Nenhuma planta crescia àquela altura, e, apesar de não haver neve, o cume era bem gelado. Ainda que fosse uma outra dimensão, tudo parecia bem similar. O sol estava à mesma posição no céu, o vento soprava da mesma direção, a altura da montanha era igual. A única exceção era o próprio topo, que abrigava a torre da Tecedeira, cuja duplicata não seria possível na dimensão original.

Toni olhou ao redor, e não havia nenhum animal também. Um lugar solitário e desolado. Por que alguém iria querer se insular daquela forma? Pelo menos algo que contavam sobre a Tecedeira parecia ser verdade. Ela não gostava de visitantes.

- Será mesmo que tudo isso é só porque ela não gosta de visitas? Só porque leva uma vida de eremita? Não parece mais alguém tentando se esconder?

Perna de MagiaDonde viven las historias. Descúbrelo ahora