5° Frame | Stop-motion

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— Sabes o que é que as flores de amendoeira brancas representam?

Caetano levantou o olhar do menu, apenas para ser deslumbrado pela beleza de Andreia, outra vez. A meia luz do restaurante reluzia nos seus olhos verdes e lançava sombras que acentuavam as suas feições. O seu queixo estava repousado na mão direita e o braço esquerdo fletido sobre a mesa, com a mão a desaparecer em direção ao seu regaço.

Ele escondeu a estranheza que sentiu com a pergunta. Desde que entraram no edifício que tinham caído num silêncio confortável e aquele era o primeiro tema de conversa daquele encontro.

— O amor de Ibn-Almundim por Gilda — respondeu. Como alguém que compreendia o poder do silêncio, Caetano não gostava de ter que falar. Porém, quanto mais tempo passava com Andreia, mais fácil lhe parecia usar a sua voz para lhe responder.

Ela sorriu.

— Também. Mas não era isso que eu queria dizer.

Caetano pensou por um bocado, mas acabou por abanar a cabeça em desistência. Não só não conseguia entender a linha de raciocínio dela, como as carícias provocatórias que o pé de Andreia fazia na sua perna a coberto da toalha de mesa deixavam pouca margem para ele construir um raciocínio próprio.

— A transiência da vida. — Andreia agarrou a mão dele sobre a mesa e afagou-a. — Elas representam a beleza, a esperança, a felicidade conjugal e o amor eterno. Mas elas também simbolizam a passagem do tempo. Como aquele que passou desde que nos conhecemos.

Caetano refletiu. Tanta coisa tinha mudado na sua vida desde que recebera o telefonema de Bernardo, depois de voltar a Portugal. Tinha conseguido um emprego a fazer o que gostava. Tinha feito as pazes com a mãe e com a irmã e estava a reconciliar-se com o irmão.

E tinha conhecido Andreia.

A mulher do outro lado da mesa tinha abalado o seu mundo por completo em pouco mais de dois anos. Ela compreendia o seu silêncio e interpretava os seus gestos como nunca ninguém o tinha feito antes. Demorara poucos meses a decifrá-lo enquanto pessoa e não perdera tempo em roubar o seu coração. E, pior que tudo, levava-o a apaixonar-se por ela todos os dias, uma e outra vez.

Andreia dera-lhe conselhos nos bons e nos maus momentos. Fizera-lhe companhia nos almoços silenciosos e ajudara-o a quebrar o gelo com outros colegas de trabalho. Mostrara-lhe, passo a passo, como se dava vida às marionetas que ele ajudara a criar. Dera-lhe que pensar tanto com assuntos triviais e mundanos como em matérias filosóficas e esotéricas. Atrapalhara o seu batimento cardíaco com cada sorriso que lhe era dirigido. E fizera dele o homem mais feliz do mundo quando começou a retribuir o seu afeto.

Houve olhares cúmplices. Houve gargalhadas sentidas, ainda que as dele se exteriorizassem apenas pelo olhar e raramente lhe chegassem aos lábios. Houve toques, propositados ou sem intenção, que espalharam eletricidade pelos seus corpos. Houve sussurros trocados à vista de todos. Houve abraços apertados pelo conforto ou pela saudade e beijos roubados atrás das câmaras e dos cenários.

E agora, a poucas semanas antes de estar tudo terminado, havia um encontro. Um encontro para celebrar tudo o que passou, para aproveitar o presente e, acima de tudo, para definir o futuro.

— Ou o tempo que nos resta à medida que vivemos — reforçou Andreia, retirando Caetano dos seus devaneios.

Ela sentiu o peso do seu olhar e dispensou a preocupação com um acenar da mão esquerda, levando o anel que trazia no quarto dedo a reluzir com a luz ambiente.

— Não, não estou a morrer. Pelo menos não mais do que tu ou qualquer outra pessoa nesta sala — riu-se. Ele apertou-lhe a mão suavemente, urgindo-a a continuar. — Disse isto para justificar o que te vou dizer a seguir. O que te vou pedir a seguir.

Ela respirou fundo, como se ganhasse coragem.

— Não sei se tudo o que disse ou fiz até este momento foram suficientes para te mostrar, ou para te provar, que és especial para mim. Que te adoro. Que te amo. Mas quero aproveitar esta oportunidade para deixar isto bem claro, independentemente daquilo que acontecer daqui para a frente. Independentemente daquilo que escolheres fazer daqui para a frente.

Caetano olhou para a mão esquerda de Andreia, que repousava sobre a toalha branca, encarando a aliança dela antes de a olhar.

Apesar de Andreia não usar aquele anel dourado com frequência, não era a primeira vez que ele o via. Aliás, Caetano tivera diversas oportunidades para o sentir, quando entrelaçava a sua mão na dela ou quando ela o acariciava com a mão esquerda. Porém, decidiu agir como se nada fosse. Decidiu não fazer perguntas e negar, intimamente, a verdade que se apresentava diante dos seus olhos.

Porém, agora não podia fugir. E Andreia também não fugiu, apesar do homem à sua frente apertar a sua mão ao ponto de quase ser doloroso e fitá-la com uma intensidade desconcertante.

— Não precisas de olhar assim para mim — disse ela. — Eu nunca escondi que era casada e o Leandro, o meu marido, sabe que estou aqui.

Caetano ergueu uma sobrancelha.

— O Leandro foi o meu primeiro tudo e continua a sê-lo. Casámos porque fiquei grávida, mas acabei por ter um aborto espontâneo. Não temos filhos, mas continuamos a amar-nos como dois adolescentes.

O sorriso apaixonado dela confundiu-o mais do que as palavras que tinha ouvido até ali. Sentido a sua inquietação a crescer, Andreia continuou a sua explicação.

— Uma das coisas que eu e o Leandro temos em comum é que não somos monogâmicos. Não conseguimos viver um sem o outro mas por vezes sentimos a necessidade de mais. Às vezes é só físico, para apimentar a nossa vida conjugal. Mas, muitas vezes, mesmo sem que o procuremos ativamente, queremos mais a nível emocional também. Apaixonamo-nos por outras pessoas e queremos ter relações mais profundas com elas. Como aconteceu contigo — admitiu, colocando uma madeixa atrás da orelha para mascarar os nervos. — O Leandro está sempre a dizer que temos o coração demasiado grande — disse com um riso forçado, tentando desanuviar o ambiente.

Caetano estranhou. Para si, a Andreia era sinónimo de confiança e todo aquele nervosismo era uma faceta que não lhe era característica.

— O que eu quero dizer é que o Leandro sabe que te amo e te quer conhecer. Quisemos dar este passo para a frente contigo porque nunca me pareceu que a minha aliança te importasse por aí além e porque a vida passa demasiado depressa para ficarmos à espera. — Andreia levantou a mão e pediu ao empregado a conta das bebidas e das entradas que tinham pedido. — Queremos trazer-te para a nossa relação. Mas só se quiseres.

O silêncio tornou-se mais pesado no tempo que demorou ao empregado trazer a conta e aceitar o pagamento da Andreia.

— Não precisas de responder já — disse ela ao se levantar. — Pensa nisso.

Caetano resistiu ao impulso de a agarrar e deixou-a sair do restaurante para a noite da cidade. Precisava de pensar. Mas o seu peito e a sua cabeça estavam um caos e só com tempo se acalmariam.

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