Capítulo XXVII - O deus vingador e sua vingadora

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Narrador Akila

TEBAS, EGITO - 1468 a.C

Acordei com a garganta queimando, como se o fogo da Espada Zafir percorresse sua extensão. A tarefa de abrir os olhos se mostrou complicada, especialmente quando a luz do dia bateu em minha íris. Devagar, minha visão se ajustou ao ambiente e eu constatei que estava em meu quarto. Tentei sentar, mas a dor em meu abdome travou qualquer movimento. Gemi rouca de dor, chamando atenção de uma pessoa, que se aproximou da cama.

-Akila, querida, pode me ouvir? - Hatshepsut tinha um olhar de alívio ao parar do meu lado.

A faraó vestia roupas casuais e simples, seu semblante parecia cansado, como se ela não repousasse a dias.

Respondi Hatshepsut com um aceno positivo, não confiando em minha voz para dizer algo. Levei a mão à garganta, num pedido mudo de água, o qual foi prontamente atendido pela minha governante. Ela me estendeu um copo de barro cheio de água fresca, que eu bebi desesperada, em goles longos. Repousei o utensílio vazio ao meu lado e num movimento rotineiro acariciei minha barriga. Todavia, não senti a superfície dura e arredondada que indicava meu filho crescendo no ventre. Tomada pela adrenalina, levantei o lençol fino que cobria meu corpo, encontrando uma grande faixa branca que envolvia todo o abdômen completamente murcho.

-Meu filho, onde está meu filho?! - perguntei agoniada para ninguém em específico - Onde está meu bebê?

-Akila, por favor, se acalme - Hatshepsut tentou segurar meus ombros, mas eu desvencilhei do toque.

-Onde está meu filho, minha senhora? - a olhei, vendo-a me fitar de volta com pesar - Eu quero meu bebê, onde ele...

E como uma flecha, lembranças do que aconteceu antes de eu apagar me atingiu com violência. Amenothep, uma espada enfiada na minha barriga, Hórus me olhando com dor nos olhos negros, Marc se colocando ao meu lado todo machucado e ensanguentado...

Marc... Onde estava Marc?

Comecei a hiperventilar e tremer, entrando num estado de choque e pânico.

-Hatshepsut, eu lhe peço com tudo o que é mais sagrado, traga Marc e meu filho à mim - pedi, a voz num fio curto, amedrontado - Por favor, eu preciso vê-los, eu preciso...

A faraó suspirou, podia ver que chorava. Delicadamente ela se sentou ao meu lado na cama e me envolveu num abraço quente, acolhedor, como de uma mãe.

E foi a partir desse gesto que eu entendi tudo. Marc não voltaria para mim e nosso filho, nosso lindo bebê, jamais chegaria a nascer.

Eles estavam mortos.

Não sei ao certo o que aconteceu logo após digerir esse fato, eu só me lembro de gritar, chorar com toda minha alma e Bakari aparecer no quarto ao lado de Kytzia. Hatshepsut me manteve nos braços, embalando meu corpo como o de uma criança amedrontada e perdida. Bakari observava meu estado com a pura aflição dançando nos olhos escuros e Kytzia, ah... A doce Kytzia disse que me daria algo para parar a dor e eu com todo o resto do meu coração acreditei, ansiando que aquela dor saísse de mim.

Mas ela jamais iria embora, não enquanto eu não reencontrasse o amor de minha vida e meu lindo bebê - que mais tarde descobriria ser um menino, o meu pequeno Kyahr - nos Campos de Junco.

ATUALIDADE

Um grito agonizante fervilhou minha garganta, ecoando por toda a câmara. Perdi o restante da firmeza dos joelhos e amoleci, sorvendo a dor da perda da Akila do passado. A minha dor.

Fui colocada de joelhos, apoiei as mãos na areia suja do lugar para ser uma âncora da realidade em meio a todo aquele desespero e luto. Lágrimas pingavam de meu rosto, eu me sentia vazia sem a presença de Marc, Steven, Jake e de Kyahr, por mais que não o tivesse conhecido. Percebi que eu chamava por eles quando Harrow se ajoelhou ao meu lado e, para minha surpresa, me abraçou.

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