Capítulo DOIS

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FAYE                                                                                            

Já faz quase um mês desde que havia me mudado para a pequena Mayce. E não podia estar mais feliz. Quer dizer, não feliz, mas estava perto o suficiente. Rezava para nunca mais precisar ter medo, mas sabia que as coisas não eram tão simples. Graças a Deus consegui esse lugar. Somente Charlie, minha melhor amiga sabia da minha situação, ou pelo menos parte dela. E foi boa o bastante para me ajudar a recomeçar. Eu devia minha vida a ela, e ela nem fazia ideia.

Se ela soubesse o que Cane era capaz... não, ele era passado.

Eu estava longe agora, segura.

Acordei, sentindo o cheiro de pinho e terra molhada ao meu redor, e sorri. Era o cheiro da liberdade. Existiam prós e contras de morar longe de tudo e todos no meio da floresta. Você tinha toda a privacidade que podia desejar, mas era frio de morrer. Muito frio. Nunca havia usado uma lareira, levei três noites para aprender. E quando consegui acender o bastardo, pulei e gritei animada. Dormi do lado do fogo naquela noite. Começaria a trabalhar hoje no restaurante com Charlie e Diana, sua funcionária, e estava animada.

Me vesti com as roupas mais quentes que encontrei na minha mala. A verdade é que eu não tinha muita coisa, não havia trazido quase nada na minha fuga. Algumas blusas e jeans e era isso. Sorte que eu raramente vestia roupas que expunham meu corpo, já que isso era impossível para mim. Pelo menos era. Já vestida com um jeans claro e uma blusa de mangas longas verde, calcei minhas botas, sai de casa e entrei no carro.

Os cabelos do meu pescoço se arrepiaram e olhei ao redor, era estranho, mas sempre que eu ia para fora tinha essa sensação. Não de medo, não sentia que estava em perigo. Mas era uma sensação diferente. Nunca havia sentido antes. O que era mais estranho é que sempre olhava para o mesmo ponto por tempo demais, e algo me puxava para ali. Mas Charlie me avisara para não entrar na floresta. Haviam animais selvagens e eu poderia acabar me perdendo. 

Não precisei ouvir duas vezes.

--Ei, Faye.—Diana me cumprimentou assim que entrei pela porta. Ela era bem bonita, parecia estar na casa dos trinta, mas tinha 40 na verdade. Ela praticamente fazia tudo funcionar, segundo Charlie. Charlie adorava cozinhar, e fazia questão de ficar na cozinha sempre que podia. Eu seria a nova garçonete. Ficaria no turno da manhã com as meninas, já que para infelicidade dos habitantes de Mayce, o restaurante só funcionava até às duas da tarde. Pelo pouco que vi, era uma cidade com pessoas gentis e unidas, que estavam sendo mimadas pela boa comida de Charlie.

--Oi.—a cumprimentei, olhando em volta. O restaurante era extremamente tradicional e limpo. Um leve cheiro de biscoitos pairava no ar.—Cheira bem.

--Nova receita. -- Diana revirou os olhos—Ela vai acabar mimando os clientes.

--Estou ouvindo!—Charlie gritou, saindo da porta que dava para cozinha, com uma grande travessa de biscoitos. O cheiro era divino.

--Que cheiro é esse?—uma voz bem humorada surgiu atrás de mim e vi Diana fazer uma careta, tentando esconder um sorriso.

--Juro que você é um maldito farejador.—ela disse—Como adivinha quando Charlie faz receitas novas?—O cara grande lançou-lhe um sorriso matador e se inclinou no balcão pegando um biscoito e enfiando-o todo na boca.

--É um dom.—disse, com a boca cheia. Ele de repente se virou para mim e semicerrou os olhos.—Que cheiro é esse?

O fitei confusa. Ele estava falando comigo?

Vi seu corpo enrijecer e ele se aproximar mais de mim.

--Quem é você?

--Eu... ahn...—recuei, me sentindo um pouco intimidada. Charlie correu para o meu lado, e pôs as mãos no meu ombro.

--Faye, lembra? Falei dela.

--Sim Faye, é verdade.—ele ponderou. Mas continuava a me olhar desconfiado.--Você tem andado pela floresta?

--O que?!—pisquei, olhando-o sem entender—Não, mas moro na floresta, na cabana de Roan na verdade.

--Eu também te falei isso, Kyan–Charlie falou, dando um longo olhar para Kyan.

Kyan era seu nome. Combinava com ele. Parecia ser jovem, apesar de seu visual extremamente masculino e bem construído.

--Eu tenho que ir.—ele disse, e passou por nós duas como um raio. Nos entreolhamos sem entender e Charlie parecia sem jeito.

--Não ligue para ele. Quando o conheci também foi um estranho.--falou, balançando a cabeça.—Diana vai te ajudar, vou ter que ir em casa rapidinho, ok?

--Algum problema?—Diana franziu.

--Não, nada demais. Só preciso falar com Roan. Volto logo.

Enfim, a sós com Diana, ela foi me mostrando onde tudo ficava e me contava as fofocas da cidade. Era como se me conhecesse desde sempre. Não pude deixar de adorar seu jeito. Ela não pareceu sem paciência quando me atrapalhei com os primeiros pedidos, nem mesmo os clientes foram ruins comigo, alguns até me deram gorjeta. Apesar de já ter experiência como garçonete, me acostumei com a forma impessoal em que as pessoas de Nova York nos tratava. Aqui, as pessoas gostavam de conversar e pareciam interessados em saber sobre mim e o por que eu viera morar na cidade. As perguntas me deixavam nervosa, mas consegui contorná-las até o final do turno. Aprendi que, falar o mais próximo da verdade era a melhor solução. Eu queria um lugar calmo para viver e como Charlie e eu nos conhecíamos desde Nova York, achei que era a solução perfeita.

Quando meu turno acabou, Charlie ainda não havia retornado. Por um segundo me perguntei se algo ruim havia acontecido, mas Diana não parecia preocupada, então descartei a sensação e a ajudei a fechar o restaurante e nos despedimos. Tinha sido um dia bom e estava animada com essa nova etapa da minha vida. 

O Coração de KorOnde histórias criam vida. Descubra agora