Ep. 05 - Refúgio

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Verônica pilotava pelas ruas de São Paulo, com Anita segurando com firmeza a sua cintura; depois de muita discussão, finalmente convencera a delegada a subir na garupa de sua moto e sair daquele hospital.

"Tá de brincadeira com a minha cara?", dissera Anita, logo depois de ouvir Verônica ordenar que se organizasse. "Que história é essa agora?"

"Você não tava toda ansiosa pra ir embora?", questionou Verônica, "Passou mal e tudo. Pronto, agora chegou a hora, simples assim".

Mas claro que não havia sido simples assim - nada com Anita era simples, nunca. Só depois de questionar todas as possíveis decisões de Verônica, exigir saber para onde iriam, ironizar a ideia de sequer ir para algum lugar ao lado da escrivã, se recusar a seguir qualquer sugestão, só então a delegada cedeu. E cedeu em maior parte por cansaço, não por aceitar que Verônica talvez soubesse o que estava fazendo.

A escrivã, por sua vez, discutira bastante de volta, sem se permitir rebaixar. E o resultado havia sido esse: as duas, em silêncio, igualmente irritadas, agarradas uma a outra em cima de uma moto.

Foram vários - e longos - os minutos que passaram até Verônica parar a moto, diante de uma casa de madeira no meio do mais absoluto e literal nada. Sem soltar uma palavra, a escrivã desligou o veículo e saltou, desvencilhando-se sem nenhuma cerimônia do segurar apertado de Anita em sua cintura - será que a delegada tinha receio de andar de moto? Verônica sorriu consigo mesma ao pensar nessa possibilidade que, francamente, a divertia.

- O que a gente tá fazendo aqui? - Perguntou Anita, tirando o capacete que usava e descendo da moto; após dar uma rápida olhada na casa, completou: - Me diga um motivo pra eu não achar que você vai me matar dentro dessa casa.

Mas Verônica a ignorou, sem paciência ou disposição para absorver as palavras que saíam da boca da delegada. Ela saiu tateando pelas paredes, analisando com cuidado e atenção os padrões e linhas na madeira.

- Verônica? - Anita questionou novamente, a voz repleta de impaciência - Vai fingir que eu não existo agora?

A delegada logo passou a seguir a escrivã, praguejando e exigindo respostas, apenas para receber o silêncio em troca. Então, Verônica parou; passou as mãos pela parede externa da casa, alisando com os dedos um pequeno quadrado de madeira que ficava encravado juntos às tábuas que construíam o imóvel. Deu duas batidas com o osso do dedo indicador, e o quadrado se abriu, revelando uma chave.

Tanto Verônica quanto Anita ergueram as sobrancelhas com aquela visão, mas enquanto a primeira sorria com satisfação, a última encarava com desconfiança e surpresa.

Ainda sem abrir a boca para desferir uma única palavra, a escrivã fechou o quadrado, deu meia volta e foi para a entrada da casa, enfiando a chave na fechadura da porta. Girou. Funcionou. Destrancou.

Quando entrou na casa, Anita a seguiu, perguntando mais uma vez o que estava acontecendo. Ela estava perdendo cada vez mais a paciência - e, no fundo, Verônica gostava disso. Gostava de ver Anita irritada.

- Eu recebi esse endereço como esconderijo. - Disse a escrivã por fim - Vamos ficar escondidas aqui por um tempo.

A casa era simples, pequena, porém organizada; tinha uma sala de dois ambientes, que se dividia entre cozinha e sala de estar, com móveis modernos porém simples; tinha TV, um sofá, uma mesa de descanso, uma mesa de jantar pequena com quatro cadeiras e balcões, geladeira, fogão e microondas na cozinha. Pelo que Verônica pôde ver, a casa também tinha mais dois ou três cômodos.

- É o seguinte, Anita. - A escrivã se virou na direção da delegada - Nós duas vamos ficar juntas aqui. Eu vou falar apenas uma vez, não vou repetir, então preste atenção em tudo que vou dizer agora. - Ela cravou os olhos em Anita, com uma seriedade no rosto e na voz que fizeram a loira enrijecer os músculos - Só quem sai dessa casa sou eu, e apenas eu. Quem decide o que entra aqui sou eu. Quem decide os nossos próximos passos sou eu. Quem decide o que comemos, bebemos, vestimos sou eu. Você não vai ter acesso a computadores e seu celular vai ser monitorado por mim. Você não vai ter a senha da internet nem a chave de casa. Vai responder às minhas perguntas e colaborar. Não vai mencionar a minha família ou meus amigos, a não ser que eu puxe o assunto. Essas são as regras. Fui clara?

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