Ep. 12 - Rafa

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Dias se passaram desde a conversa difícil que Verônica e Anita tiveram sobre o tempo da delegada no orfanato. A escrivã não fez mais perguntas, tanto por não ver necessidade, quanto por não querer que Anita falasse as coisas novamente, quanto por ela mesma não querer ouvir de novo todas aquelas coisas cruéis.

Depois da notícia de que Verônica foi vista com outra pessoa, Glória ressurgiu das cinzas unicamente para dar uma bronca na escrivã, bronca esta tão majestosa que ficaria marcada na história. Anita se divertiu muito assistindo.

Após o sermão, e por própria consciência, nenhuma das mulheres saíam ou cogitavam sair do esconderijo. Nem mesmo para fazer compras para a casa; Verônica - e Verônica apenas - saía de vez em quando para um lugar muito específico para dar dinheiro e receber suprimentos de um dos ajudantes de Glória, sempre em um lugar deserto.

Desde que tudo isso começou, a delegada e a escrivã se contentavam com um clima ao menos cordial entre elas; agora, entretanto, estavam envoltas de uma atmosfera verdadeiramente amigável. A dinâmica estava mais confiável e mútua, recíproca, algo que jamais imaginavam que fosse acontecer. Até aprenderam mais coisas uma sobre a outra: agora, Verônica - que já entendera que acordava mais cedo que Anita - sempre deixava torradas separadas para a delegada já poder comer quando acordasse, pois sabia que ela gostava; Anita, por sua vez, deixava a toalha de Verônica dobrada em cima do vaso do banheiro antes de dormir, pois sabia que a escrivã costumava acordar mais cedo e tomar banho logo de manhã, mas sempre esquecia de pegar a toalha.

Por mais que uma relação menos conflituosa fosse bem-vinda - nenhuma delas aguentava mais ficar brigando o tempo inteiro, sugando tanta energia, e agora elas não se sentiam mais tão sozinhas - isso causava também alguns estranhamentos. Primeiro, por conta da dificuldade que elas sempre tiveram em lidar uma com a outra, então, uma dinâmica respeitosa era algo muito novo. Segundo, porque agora elas estavam sendo obrigadas a conhecer uma a outra de verdade; e isso desencadeava duas possibilidades:

A de descobrirem coisas que as irritavam uma na outra.

- Verônica, cacete, qual a dificuldade de lavar a caneca depois de usar? - Reclamou Anita, novamente frustrada ao acordar e encontrar louça na pia quando foi tomar seu café.

- Eu vou lavar depois, Anita, deixa de encher o saco. - Verônica não deu muita atenção, distraída com a televisão - Mas falando em ser um porre, também não custa nada baixar a televisão um pouquinho antes de dormir, né? Você dorme de madrugada e eu fico ouvindo a TV gritando.

Ou, o que era ainda pior: a possibilidade de descobrirem coisas que gostavam uma na outra.

- Anita. - Verônica sorriu, tirando os olhos da TV pela primeira vez - Seu nariz.

A delegada franziu o cenho, até juntar os olhos na ponta do nariz para ver que o pouco de chocolate em pó que colocava na torrada tinha caído um pouco na pontinha de sua narina. Ela riu um pouco, tirando a substância com alguns tapinhas. Ela olhou para Verônica.

- Juro que nunca cheirei pó, essa foi a primeira vez.

A escrivã gargalhou. O jeito adorável que Anita tinha ficado com o chocolate no nariz a pegou desprevenida; e o humor fino da delegada era algo que havia aprendido a gostar.

Anita continuou comendo sua torrada quando olhou para a mesa de jantar; as palavras cruzadas que começara ontem estavam totalmente preenchidas.

- Ei. - Chamou Anita - Você fez minhas palavras cruzadas?

- Hm? - Verônica, que havia voltado a se distrair com o celular, procurou Anita com os olhos - Ah, sim, fiz. Nem percebi, na verdade, fiz no automático. - Ela recostou o queixo no braço do sofá, olhando para a delegada - Por quê? Você queria fazer? Foi mal. Eu consigo outra pra você depois.

FaíscasWhere stories live. Discover now