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Hongjoong observa minha casa vazia, a casa em que ficávamos dia e noite, para onde ele corria quando estava com problemas. Onde dormia... comigo. Parece que muito tempo se passou desde que essas coisas aconteceram. Parece que não sei mais nada sobre ele depois de voltarmos daquela viagem. E isso me parte em pedaços. Não saber, me parte em pedaços.

Eu sinto sua falta, ele dissera.

Sinto a sua também, eu quis responder.

Os dedos machucados percorrem a superfície do corrimão quando subimos para o meu quarto. Eu o sigo em silêncio, observando-o sem todas aquelas barreiras entre nós, já que não pode me ver às suas costas.

Seus olhos avaliam meu espaço, passam pela cama intocada, as coisas organizadas e as janelas fechadas com cortinas brancas. Ele me olha por cima do ombro e dá um passo para dentro, finalmente aceitando começar aquela conversa.

— Primeiro — digo — quero que me explique sobre esse machucado e... sobre a sua casa estar à venda.

— Busquei meu pai em um bar, antes dele desaparecer de novo. Ele não gostou muito da interferência. — Hongjoong passou os dedos de uma mão sobre os da outra. — E a casa... eu tentei resolver mas não havia muito o que fazer. Meu pai não quis resolver quando tínhamos tempo, ele não tentou nenhum acordo, e o banco ficou com ela.

— Sinto muito. — Aproximo-me sem perceber. — Eu sei o que a casa significa pra você, Hon... — As lembranças que ele tinha com a mãe eram quase todas naquela casa.

Hongjoong dá de ombros como se não fosse nada.

— Onde você está ficando? Se quiser-

Ele começa a rir, sem qualquer explicação.

Assusta um pouco.

— Fui um escroto com você e você ainda está preocupado comigo? Sério, Seonghwa, quando vai parar de colocar os outros acima de você?

Não ria de mim por estar preocupado — rebato, próximo o bastante para nossa diferença de altura ser realçada.

Ele me observa, sem sorrisos, sem raiva ou deboche. Olha de verdade. E todos os pelos no meu corpo eriçam com a atenção. Sejamos nós mesmos de novo, eu imploro no fundo de minha mente. Seja honesto comigo.

— Desculpe. — Hongjoong dá passos para trás, vira o corpo em direção a janela, joga o cabelo para cima e o deixa cair de novo na testa, pensando enquanto faz tudo isso. — Eu só não aguento mais te ver... fazendo isso. — Ele olha para mim. — Você não pode abrir mão de querer controlar tudo por um instante? De querer cuidar de todo o mundo. — Ele gira o dedo ao redor. — Porque eu vejo que está cansado. Acredite, Seong — suas sobrancelhas curvam-se, tristes — eu aprecio tudo o que fez e tudo o que ainda faz por nós. É uma de suas melhores qualidades. Um dos motivos de eu... — Sua voz morre e ele engole em seco como se custasse dizer o resto. — Mas não pode dedicar sua vida a cuidar de nós.

— Eu sei disso — admito baixinho. — Mas não sei ser de outra forma. Não sei... o que fazer se eu não for útil para alguém. Mesmo agora, mesmo depois de ter pedido que ficasse longe de mim...

— Eu estava errado. Você estava certo, Seong.

— Eu sei, mas não consigo continuar desse jeito que estamos — porque eu me sinto culpado. O tempo todo. Me sinto culpado por discutir com meus pais. Me sinto culpado por pedir que ele sequer olhasse para mim! Me sinto culpado por não gostar deles em certos momentos. Me sinto culpado por ser um idiota com a minha irmã quando ela foi a única pessoa que cuidou de mim de volta. Afasto as lágrimas e coloco a mão na cintura, distanciando-me dele também. — Tem razão, estou cansado. Porque parece que tenho que doar cada pedaço de mim todos os dias, para acordar e ser quem todos esperam que eu seja!

Hongjoong me olha de volta de olhos arregalados. Minhas mãos tremem um pouco.

Odeio me sentir assim, odeio culpá-los quando fui eu quem tomei todas essas decisões. Então, a única forma de me redimir, e de impedir que me deixem, é mostrar que... precisam de mim. Que posso ser útil.

— Gosto de ajudar, gosto de estar aqui, por vocês. — E é verdade. — Mas você sabe que não é só isso. Deboche de mim por isso de novo, Hongjoong — encorajo-o a continuar rindo.

— Sabe que eu não faria isso.

— Sei. E odeio que eu possa te contar isso — algo que ninguém mais sabe e que é difícil pra mim, simplesmente, chegar e dizer —, mas não possa conversar com você sobre minha sexualidade. Que não consiga dizer se gosta de mim ou se sente nojo. — Hongjoong apenas piscou, ouvindo. — Estou pensando em mim o bastante? Te dizendo o quanto odiei ouvir todas aquelas vezes você zombar de mim por causa disso, que odiei ouvir suas piadas homofóbicas e como odiei gostar de você apesar de tudo aquilo. Como mostrei a você o quanto me importava e você simplesmente disse que não podia fazer aquilo. Não como se sentisse algo diferente de mim, mas como se pudesse me dispensar quando quisesse. Como se eu fosse descartável quando deixasse de ser útil pra você.

— Desculpe. Não sei o que posso fazer para consertar isso — ele admitiu suavemente. — Se serve de alguma coisa, me arrependo. Entendo melhor e, me arrependo. Você é meu melhor amigo, Seonghwa, eu nunca quis te machucar.

Quero dizer que machucou e ainda machuca. Que todo aquele silêncio e a distância ao invés de resolução, me machucavam.

— Então apenas seja honesto comigo. Eu nunca julgaria você, nunca diria nada para te machucar, nunca usaria suas palavras contra você, nunca diria a ninguém se me dissesse para não contar. É que, eu preciso saber que não imaginei nada daquilo. — Espalmo a mão em meu peito, sentindo as batidas agitadas do meu coração.

Hongjoong se aproxima devagarinho e deixo meus braços parados ao lado de meu corpo, sem reagir quando coloca as mãos no meu rosto e puxa-me para colocar a testa na minha.

Fecho os olhos. Aperto as sobrancelhas e tremo ao sentir o toque de seus dedos descendo para o meu pescoço, o polegar na bochecha, traçando linhas invisíveis.

— Seonghwa — sussurra. Uma de suas mãos fecha-se ao redor do meu pulso esquerdo. Sinto meus próprios batimentos acelerando sob a pele quente. — Seonghwa.

Respiro com dificuldade o ar entre nós, ainda de olhos fechados. Se for só isso, se ele me disser que "não", então não quero essa imagem entre nós. Não quero olhar para ele agora, vê-lo sussurrar meu nome com cuidado e amor, e logo depois ter que esquecê-lo.

— Desculpe — diz ainda baixinho. Suas mãos se afastam. Seus olhos fogem dos meus quando abro os meus para encará-los. O que você está fazendo? Quero saber. — Você merece mais.

Olho para ele inteiro, meu corpo congela ao ouvir sua voz tão triste.

Então é isso?

— E você não pode ser melhor — afirmo, compreendendo. Ele olha para mim novamente, tenso. — Tudo bem. — A sensação não é a de ser perfurado por uma agulha, não é gradativo, é a realidade batendo com força como se um caminhão me atingisse. — De qualquer forma, estou orgulhoso de você, Hongjoong. — Estou mantendo meu desapontamento longe, mas algo paira no ar, entre nós, entre o olhar que trocamos, na observação silenciosa da nossa situação.

— Seong, não foi o que eu...

— O que você quis dizer, então? — pergunto calmamente. — Pode dizer a verdade, só diga que não sente nada por mim desse jeito e...

— Seonghwa — interrompe ainda calmo, ainda falando baixinho como se confidenciasse algo a mim. Suas mãos estão no meu rosto novamente, ele me puxa para perto e sinto sua respiração, o nariz roçando o meu, a pressão de sua mão na minha pele. Acompanho seus olhos perpassando cada traço meu, engolindo cada detalhe, parando em um ponto. — Eu quero cada pedacinho seu. Eu quero você mais do que já quis qualquer outra coisa no mundo.

Boys Like Boys » seongjoongWhere stories live. Discover now