parte 7.

879 96 10
                                    

— E esse caderno aí? Não vai mesmo dividir seus sentimentos com seu novo amigo? — ele brincou.

— Quem sabe um dia. — acompanhei. — Mas isso aqui não é meu diário.

— Eu reparei que é um pouco maior. O que você escreve nesse? — Gabriel se aproximou.

— Histórias. Livros que eu nunca vou publicar, basicamente. — comecei à folhear, mostrando rapidamente o tanto que já criei.

— Caramba, Rosa. Você é muito criativa. Posso ler uma? — ele pôs a mão no objeto.

— ...Tá bom, mas eu escolho.

— Você que manda.

Escolhi uma que escrevi em três dias, há uns dois meses. Provavelmente uma das minhas favoritas.

— Aqui, tem alguns gatilhos, quer que eu fale pra você não se assustar com o que está por vir? — murmurei e ele assentiu. — É sobre um homem de quase trinta anos que passou anos num hospital psiquiátrico internado, por ter desejos e alucinações suicidas. Depois que recebe alta, ele se considera totalmente recuperado, até que conhece uma estudante de psicologia de vinte anos. Ela se encanta com a personalidade cômica dele, e os dois topam se conhecer melhor, até que...

— Até que...?

— Melhor você ler, eu já quase estraguei tudo. — coloquei o caderno no colo dele, que começou a leitura então.

Observei a cena tão atentamente, quase me esqueci de piscar. Meus olhos ardiam e meu coração palpitava. Nunca tinha mostrado uma história que escrevi à alguém, e como era a primeira vez, eu me senti como uma criança exibindo seu brinquedo na escola.

Encorajada.

— Acabei. — ele disse, após um bom tempo. — É muito triste, mas muito romântica também.

— Pois é, eu gosto disso. Qual sua parte favorita?

— Acho que quando ela ajuda ele à se tratar corretamente, depois que as alucinações voltam. Ela tava fodidamente exausta, mas insistiu em ficar pra ajudar o cara que gostava. — sorrimos. — Você também caprichou nas partes sexuais, hein?

— É... — cocei a nuca, sem graça. — Às vezes acho que eu exagero, mas é como eu gostaria que fosse nos filmes que assisto e não gosto.

— Não, ficou perfeito. Os detalhes, a delicadeza do ato, as palavras que você usou. Você tem um dom, Rosa.

Caralho...

— Aham, tá. — fiz pouco caso.

— Tá duvidando? Que absurdo. — ele fingiu se importar.

— Tô sim. Você só leu uma história e já deduz que eu tenho um "dom"?

— Se quiser eu leio todas e garanto que continuarei com a mesma opinião. — nessa ele me pegou, fiquei sem palavras. Revirei os olhos e Gabriel passou as páginas, lendo por cima. — Sua mão não cansa?

— Cansa, mas eu não paro. Por mim escrevia o dia inteiro sem pausas.

— E de onde vem tanta inspiração?

— Séries, filmes, a minha própria vida. Gosto de misturar as características...

— Olha, meus parabéns. — ele bateu palmas silenciosamente. — Pode-se dizer que você já viajou muito, então.

— Só na ficção, no mundo faz de conta. — rebati, lembrando das vezes que Isadora disse isso.

— Às vezes isso chega à ser melhor que a realidade.

— Concordo plenamente, Gabriel. — me senti acolhida naquele pensamento tão próximo do meu.

— Mas você ainda vai viver muito, não se preocupe.

Ele tocou no meu braço e eu me senti mal. Senti um nó na garganta, mas não queria chorar. Aquele estava sendo um momento tão bom, tão gostoso, eu não podia arruinar tudo.

E aí? Apostam quanto que ele vai sair correndo assim que descobrir minhas verdades?

Por enquanto tá tudo lindo, histórias, jantares, conversas corriqueiras...mas e depois?

coração inválido [mount]Where stories live. Discover now