parte 24.

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Minha tristeza é tanta que eu perdi a vontade de escrever. Bom, reescrever, pra ser mais exata. Recomeçar tudo do zero dá uma preguiça ainda maior quando se tratava do meu principal refúgio.

Ontem Gabriel tentou falar comigo. Eu voltava da portaria, pois tinha ido pegar uma encomenda, e ele me viu. Ouvi sua voz me chamar de longe e eu corri até o elevador.

Fiquei tão mal, mas tão mal. Me tranquei no banheiro pra ter privacidade e chorar.

Os dias tem sido basicamente iguais. Eu acordo mais tarde que antes, tento me ocupar com as coisas que minha mãe pede, sento no sofá e olho pro nada por horas, me entupo com comida e engulo xingamentos toda vez que Isadora aparece.

Ela ainda não me deu as três páginas, disse que eu precisava "merecê-las". Ridículo isso, a minha vontade é de dizer um belo e alto foda-se pra ela, mas daí algo me vem à mente. E se o que estiver escrito nesses papéis for algo muito importante?

Sei lá, uma memória marcante. Palavras que eu talvez precise ler mais uma vez.

— Quer um bolinho, Rosa? Tirei do forno agora à pouco. — minha mãe perguntou ao me ver sentada na sala, com o braço apoiado na cabeça.

— Não. — respondi sem olhá-la.

— Certeza? Vai, desfaz essa cara. Ninguém morreu. — ela se aproximou com a bandeja e eu quis bufar.

— Tá bom. — peguei um e dei uma enorme mordida.

Depois do primeiro, não consegui mais parar. Comi como se aquilo fosse a salvação dos meus problemas.

— Mais? Não, daí não vai sobrar pro seu pai. — Ivana levou a bandeja pra longe de mim. — Venha beber água, não é bom comer tanto sem equilibrar com líquido.

Levantei e fiz o que ela mandou. Mesmo com a barriga cheia, o vazio da minha alma permaneceu. Me sinto tão sozinha.

— Mãe. — engoli seco antes de chamar sua atenção.

— Sim? — a mulher se virou.

— Eu quero pão. Pode me dar pã...quer dizer, dinheiro pra comprar pão? — me embolei pra perguntar, mas acabou saindo certo.

— Tá bom. Vá antes da sua irmã ir pra aula de braille. Sei que vocês duas não tão muito amigáveis uma com a outra, por isso não tô te cobrando em cuidar das coisas dela. — ela disse antes de ir buscar sua carteira.

Ao voltar, me entregou o dinheiro e sorriu.

Saí do apartamento e dei de cara com Gabriel, na porta de sua casa. Coincidência abrirmos a porta ao mesmo tempo.

coração inválido [mount]Where stories live. Discover now