Capítulo 01

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04/05/2018

Era o aniversário de Gustavo, seu filho mais novo. A dor que sentia era enorme. Não conseguia conter os soluços, nem segurar as lágrimas.

Praticamente dois meses ali, numa cela fria, escura. Vendo o sol nascer pela pequena janela que mal trazia ventilação.

O dia estava ensolarado, e mesmo que estivesse quente, ela tremia de frio. O dia era perfeito para tudo que ela tinha planejado. Com muito suor, nos meses que antecederam aquele maldito dia em março, tinha quitado uma festa em uma chácara para comemorar a vida do filho. Imaginava, muito antes de tudo acontecer, várias das crianças das quais conviviam com os rostos vermelhos de tanto correr no gramado, as mães encantadas com os avanços dos filhos na piscina, vendo que o dinheiro que investiram nas aulas de natação valiam a pena. Sonhou com aquele dia. E nenhum pesadelo que tinha se assemelhava à realidade.

Presa. Ela ainda estava presa. Por mais que Arthur, seu marido, tivesse insistido em cancelar a festa, tentando reaver o dinheiro para poder tentar contratar mais advogados, ela pediu para que não. Os filhos mereciam uma distração, mereciam comer tudo que ela tinha planejado — mesmo que os doces não fossem permitidos para o pequeno Gustavo ainda. Todos mereciam uma distração de tudo aquilo.

Arthur não queria assustar a mulher, não queria que ela se preocupasse, mas todos, no caso, eram apenas ele, as crianças e sua mãe.

As amigas que viviam com ela, nem sequer apareceram para perguntar como ela estava, se ela precisava de alguma coisa. Até a irmã dele, madrinha da Melina, melhor amiga de Catarina, fingia que a situação não estava acontecendo. Simplesmente fingiu que a amiga morreu e não tocara mais no assunto.

Ele sabia o quanto estava difícil para mulher ali dentro. Toda solidão que ela estava enfrentando, mesmo com a cela cheia — e no lugar de cheia, leia-se, superlotada, com mais presas do que a capacidade.

Para ele, também, não estava nada fácil. Sua rotina tinha virado de ponta cabeça, estava acordando duas horas fora do seu horário de costume. Tomava seu banho, arrumava as crianças, tomavam café no completo silêncio. Ele deixava a louça toda no pia, colocava as crianças na van, e ia para o trabalho.

Saia do trabalho, ia até a casa da sogra, pegava os filhos e voltava para casa. O jantar se repetia como as outras refeições. Silêncio completo. Dava banho nos filhos, os colocava para deitar vendo um desenho, enquanto lavava toda a louça da pia, depois, se deitava com eles no colchão da sala para dormir. Não suportava dormir na cama sem sua esposa. A ausência dela era dolorosa demais para que ele continuasse ali.

Começou a pensar em deixar os filhos com a sogra, queria se concentrar mais com os advogados da esposa. Toda a economia deles estava destinada — agora — para a defesa dela.

O pequeno auxílio que estavam recebendo do governo não era muito, e como ela não tinha mais salário, ele estava sem condições de muitas coisas. Inclusive, isso foi pauta de uma das conversas que conseguiram ter nas poucas visitas que foram concedidas a ele.

Decidiram que as crianças continuavam na creche particular só até o fim do semestre — que era até quando tinham pago.

Estavam tão sozinhos que parecia que nem todo dinheiro do mundo, gasto com os melhores advogados, pagaria pela liberdade dela. Sem contar as longas viagens que ele tinha que fazer só para vê-la.

Saber que os filhos não podiam visitá-la doía demais.. Queria mais que tudo abraçar as duas criaturinhas que mais amava na vida. Sentia falta dos cafés da manhã repleto de risadas, ao redor da mesa que ela tanto fazia questão. Falta das incansáveis vezes que Melina pedia para faltar à escola, para poder passar o dia com a mamãe. Se ela soubesse o que o destino guardava, deixaria. Falta dos passeios aos sábados e do cinema improvisado em casa aos domingos. Falta dos banhos nos braços do marido, que não eram apenas banhos. Ela sentia falta da vida que construiu. No doloroso presente, só tinha a si mesma e as companheiras de cela. Que todos os dias reclamavam do seu choro, ficavam estressadas, a culpavam pelo crime, mas não a agrediram, graças às "leis" da facção do estado.

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