XVII

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Ele toca guitarra enquanto eu canto Lou Reed.

Os escombros da noite passada me batem com força quando acordo sozinha na cama com os lençóis brancos enrolados no meu corpo junto com os pequenos raios de sol que não eram bloqueados pelas cortinas, em busca de sussurrarem um bom dia para mim.

Meus braços se apoiam no colchão para tentar me despertar, mas parece que minha mente ainda adormece. Quero permanecer nesse sonho, não quero acordar, não quero que tudo isso tenha sido mais um dos pensamentos com ele, quero que se torne real.
E é real. Estou em um quarto que nunca entrei antes, minhas roupas estão espalhadas pelo chão e a vista da rua pela qual adormeci admirando, estava logo em minha frente.

Então, me levanto, conseguindo tropeçar nos meus próprios calçados para tentar chegar o mais perto possível de um espelho, vendo o reflexo demorar para aparecer diante dos meus olhos.

A máscara de cílios levemente borrada debaixo dos meus olhos, os fios de cabelo dispersos para os lados e as áreas vermelhas ao redor do meu pescoço, que desciam até os meus seios, deixavam explícitos os efeitos que Simon deixou em mim.

Meus olhos incorporam as memórias como um filme prestes a ser documentado no cinema. Lembro-me de seus braços circularem cada pedaço meu, me segurando como se não quisesse nunca mais me deixar ir.
No frio da noite, sentada no colo dele, observando o movimento calmo da rua e o silêncio ensurdecedor da lua, lhe dizendo...

—— Tem coisas que se tatuam sem tinta.

E ele apenas ri, perdendo tudo que tinha dentro de si para encontrar em mim.

Eu me afogava em seus olhos todas as vezes que eu o olhava. Diziam que era tonta demais para ver. Me julgavam como um livro de imagens pelas cores como se esquecessem de ler, mas ali estava eu, na liberdade de poder me tornar mais uma escrava cardíaca das estrelas ao olhar simplesmente para ele.

Somos pássaros sem céu, somos fogo e água, vento e mar, enquanto ele queima, eu esfrio, ele está em cima e eu embaixo, ele é cego e eu enxergo.

    "Viveremos por todas vidas e nos veremos em todas elas",

É a última coisa que me lembro de pensar antes de acordar aqui.

Tento, de alguma forma, me arrumar brevemente antes de ir atrás dele. Minhas roupas amassadas agora estão no meu corpo com o cheiro dele, perpetuando cada traço da minha pele, mesmo depois do banho que eu tomei.

Desço as escadas, que não me lembro de ter subido, em busca dele.

Entretanto, com o barulho silencioso de ouvir minhas meias brancas ressoarem pela madeira do chão, o cheiro delicioso vindo de outro canto da casa me desperta ao lado dos os chiados de gavetas sendo abertas.
Eu traço o caminho pela percepção que tenho dos ruídos. Todas as pistas me levam à cozinha cotidiana de paredes azul claro com os armários brancos.
Me deparo com ele, de costas para mim, muito ocupado em mover a chaleira para fora da boca do fogão, e soltando um palavrão por se queimar superficialmente durante o processo.

Apoio meu ombro no batente da porta, esperando que ele não notasse meus olhos traçando a vista que me oferecia detalhadamente o seu corpo.
A camisa preta parecia apertada para contornar os músculos das suas costas, além das mangas compridas que marcavam seus braços e mostravam cada parte escondida dele. Ou nem tanto assim.

—— Gosta do que vê? - diz se virando minimamente para conseguir ter uma visão minha através da balaclava.

Me assusto dos desvaneios ao perceber que ele sabia que eu já estava lá a um tempo.

𝐔𝐥𝐭𝐫𝐚𝐯𝐢𝐨𝐥𝐞𝐧𝐜𝐞, 𝗌𝗂𝗆𝗈𝗇 𝗀𝗁𝗈𝗌𝗍 𝗋𝗂𝗅𝖾𝗒.Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt