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A luz das estrelas iluminava o oceano verde e oculto pela noite. A floresta eterna abrigava um grupo de marujos que acampavam na margem do rio. Uma fogueira era a única luz vista em terra pelos olhos curiosos dos animais escondidos nas copas das árvores, enquanto gargalhadas grosseiras quebravam o silêncio da madrugada. Um homem enorme, gordo, de cabelos e barba loiros com uma garrafa de vinho na mão parecia querer tirar vantagem sobre seus colegas marinheiros:

– Então eu disse: "Você nunca mais vai conseguir se sentar depois dessa, queridinha"!

– E o que ela disse? – perguntou um marujo, após uma gargalhada.

– Bah! Ela ficava só choramingando de um lado para o outro, chamando o nome do marido. Idiota!

– Você é um canalha, Schurk – disse outro homem, com sotaque lusitano.

O loiro enorme olhou de rabo de olho para o colega:

– Tem alguma coisa pra me dizer?

– De forma nenhuma. – O português deu um sorriso quebrado e pôs-se de pé. – É claro que eu não vou criar briga com o "Urso Neerlandês" por causa de uma rapariga que nem conheço. Mas, veja bem, graças a ti, o capitão terá que nos manter afastados do porto de Mauritsstad pelos próximos meses. Além disso, não partilho do teu desejo de tomar mulheres à força em toda cidade que passamos, isso vai acabar mal um dia.

O gigante cuspiu o vinho que tinha na boca e se levantou, com o cenho franzido e o rosto vermelho. Um clima de tensão tomou conta do grupo e alguns já tentavam afastar os dois para evitar uma briga no meio da mata.

– Escute aqui, portuga. Eu já estrangulei homens por muito menos, está me entendendo? Se aquela escrivã piranha quisesse se resguardar, deveria ficar em casa, fazendo a comida do marido e cuidando dos filhos, ao invés de arrumar emprego na beira do cais e ficar passeando de pantalonas na frente da marujada. Tem que dar graças a deus de ter ficado viva, porque, se eu ainda tivesse negócios a tratar em Mauritsstad, teria afogado a cachorra na praia mesmo.

– Mas, eu...

– Já chega, portuga – interrompeu um jovem assustado e com camisa enrolada feito turbante na cabeça – Você tá maluco? Para de discutir com o Schurk. Ele te mata com uma garrafada e joga no rio. Está bêbado, deixa ele falar as merdas que ele quiser.

O jovem tinha razão. Ali sozinhos, no meio da selva, era desnecessário arrumar uma briga com o "Urso Neerlandês", o maior assassino que já pisou na colônia de Nova Holanda. Os exércitos neerlandeses haviam trazido todo tipo de escória da Europa para cerrar suas fileiras contra os lusitanos, índios e brasileiros. Alguns, tentavam carreira sob as ordens de Maurício de Nassau, tentando estabelecer a paz com os povos locais e fortificar as bases da colônia, pouco tempo antes dominada pelos portugueses. Entretanto, alguns se amotinavam e tentavam a vida com atividades ilegais, de "retorno rápido". Tráfico de escravos, de alucinógenos, de mulheres e busca por ouro e pedras preciosas. O capitão Gezegend era um desses neerlandeses amotinados que conseguiu um barco e um belo pagamento para levar uma carga obscura até um porto no interior do continente brasileiro. Apesar de seus hábitos e fama terríveis, o gigante Schurk era a escolha perfeita para timoneiro em uma missão tão perigosa.

– Assim que é bom – disse Schurk, bebericando mais uma vez da garrafa. – Eu digo a vocês, a lei desse mundo é a lei da selva: os fracos existem para satisfazer os fortes. Se vocês entenderem bem essa lei, farão de tudo para ficar próximos a alguém forte como eu. Mas, se ficarem de frescurinha, falando em igualdade de direitos, vão um dia acabar aparecendo no meio do mato com a boca cheia de formigas – o gigante assoou o nariz na camisa e cuspiu na fogueira. – Para os fortes há vida e para os fracos há morte, nunca se esqueçam disso. Agora, se me derem licença, vou achar uma árvore para mijar.

O MORCEGO DO DIABOOnde histórias criam vida. Descubra agora