IV

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Levou mais de uma hora até que a tripulação voltasse ao "Esquife". As crianças foram alojadas sobre esteiras e, afastadas do clorofórmio, começavam a emitir gemidos, tentando retomar a consciência. Logo, eles soltaram as espias, empurraram o casco do navio da beira do cais e, içando vela, rumaram na direção de Mauristadd. No entanto, o clima na tripulação era horrível. Todos estavam cabisbaixos, assustados e com um gosto ruim na garganta por terem deixado o companheiro para trás. Julinho era o mais abatido, pois havia se afeiçoado ao gigante charrua que havia lhe salvado a vida. Vendo que estava perdendo a confiança de seus homens, Gezegend reuniu todos para a distribuição dos espólios.

– Sei que muitos de vocês estão questionando meus métodos – começou o capitão – mas, veja bem, nesse meio, vocês sabem que os melhores pagamentos vêm de serviços comprometedores.

O português pôs-se a frente dos outros, com olhar severo:

– Há um lugar especial no inferno para quem entrega crianças para sacrifícios satânicos, capitão.

– "E não farás teus filhos serem sacrificados no fogo de Moloch" – outro marujo citou Levíticos 18:21, gerando um princípio de discussão.

– Muito bem, – apaziguou Gezegend, com as palmas das mãos erguidas – eu vou distribuir o espólio para acalmar o coração de vocês e, quando chegarmos a Mauristadd, irei partir do Brasil e voltar para a Europa. Nunc amais precisarão se preocupar comigo, combinado?

Para alguns, entregar Gezegend às autoridades era o mínimo que poderiam fazer, porém, sabiam que nenhum capitão contrataria marujos que entregaram seu contratante anterior. A justiça pública dos homens sempre cobra um preço caro. Por outro lado, todos estavam ansiosos em rever as pedras preciosas mais uma vez.

Contudo, quando buscou no alforge, o capitão deu um pulo e seu rosto perdeu a cor. Ele buscava as pedras com pressa e suas mãos deslizavam apreensivas pelos seus bolsos. Após alguns minutos de busca fracassada, em meio a murmúrios e olhos arregalados, confessou:

– Sumiram...

– O quê?

– Os diamantes, – o capitão insistiu na busca – eles estavam aqui em meu bolso, mas agora desapareceram?

– Como isso é possível? – Desesperou-se o português.

– Eles devem ter caído durante a fuga – concluiu Gezegend. – No meio daquela confusão de cultistas e demônios, ele deve ter se desprendido do alforge e caído no chão e...

Nesse momento, uma gargalhada chamou a atenção a tripulação. Julinho, que estava deitado e com o braço brincando na superfície do rio estava rindo muito alto.

– Foi Bradão – disse entre as gargalhadas. – Aquele índio era mais esperto que todos vocês. Durante a briga, quando ele ergueu o capitão a um palmo de altura, certamente ele arrancou a bolsa com os diamantes de dentro dos bolsos do capitão. Agora, nosso pagamento está atrás de um demônio com asas de morcego, sob o cadáver do guerreiro. Que belo final para essa palhaçada toda: viemos até aqui e passamos por tudo isso para nada.

Aquela havia sido a gota d'água. A tripulação do "Esquife" virou-se para o capitão que, rapidamente buscou sua pistola. Porém, um dos jovens marujos avançou e o segurou pelos braços antes que pudesse pegar sua arma e, sem seguida, os outros os seguiram, acertando com socos e pontapés. Mesmo o português, que era o mais sensato do grupo, apenas ficou parado vendo o grupo de amotinados arrancar as roupas de Gezegend que, coberto de sangue, foi arremessado no rio. Aos gritos, o corpo do capitão neerlandês foi disputado por jacarés e um cardume de piranhas, que se deliciaram da carne estrangeira por horas antes que o coração parasse de bater.

Três dias havia se passado desde o incidente no templo do Morcego do Diabo. O sol estava se pondo sobre as copas da floresta eterna e Julinho estava sentado na popa do "Esquife" fazendo o serviço de sentinela. Hipnotizado, ele observava os vultos produzidos pela luz alaranjada do sol na margem do rio quando levou um susto: na margem, muito longe para que tivesse certeza, poderia jurar ter visto um índio gigantesco, nu, segurando uma espada europeia com uma das mãos e uma enorme asa de morcego arrancada de seu dono com a outra. Apesar da distância, a visão parecia estar encarando Julinho que cobria o rosto da luz do sol com as mãos, tentando enxergar melhor. Então, o homem bronzeado guardou a espada na cintura e de lá tirou um conjunto de pontos brilhantes, que cintilavam com estrelas na mão do índio. Em seguida, o vulto arremessou as estrelas de pedra nas águas do rio, seguido pela asa monstruosa, deixando o jovem marujo boquiaberto ao ver aquele tesou afundar nas águas amazônicas, enquanto o espectro charrua dava as costas e desaparecia novamente nas sombras da mata.

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⏰ Son güncelleme: Dec 06, 2022 ⏰

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O MORCEGO DO DIABOHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin