2. Aventura em Auto-mar

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Após transcorrerem alguns dias, Saide despertou subitamente na calada da noite, envolvida por uma sensação de náusea avassaladora. Desvencilhando-se dos lençóis, ela ergueu-se da cama com pressa, traçando um caminho frenético em direção ao banheiro. Ao alcançar o aposento, meticulosamente fechou a porta atrás de si, como se quisesse manter a intimidade do momento que se desenhava.

Ajoelhando-se diante da privada, Saide viu-se vítima de uma incontrolável onda de desconforto. O jantar da noite anterior, agora uma lembrança indesejada, emergiu violentamente de seu estômago, encontrando liberdade em um episódio de vômito que parecia não ter fim. Cada espasmo do corpo expressava a intensidade da aflição, ecoando no silêncio noturno do banheiro, onde a penumbra testemunhava o desfecho abrupto da tranquilidade noturna.

– Que droga é essa que eu comi? – reclamou com uma cara de nojo enquanto segurava seus cabelos loiros para não se sujarem de vômito.

Após o alívio das náuseas, Saide dirigiu-se até a pia do banheiro, onde se deparou com seu reflexo no espelho. Sua expressão não denotava bem-estar, e os fios de seu cabelo, antes impecáveis, agora exibiam um emaranhado frisado. Confrontando-se com essa imagem, deslizou as mãos suavemente sobre os olhos, ampliando o olhar refletido diante dela.

Decidida a reverter a sensação de mal-estar, Saide girou a torneira, deixando a água fluir. Com cuidado, lavou o rosto, sentindo a frescura da água contra a pele que ainda guardava resquícios da indisposição recente. Em seguida, com gestos metódicos, enxugou o rosto e dedicou-se a uma rotina revigorante, escovando os dentes para dissipar completamente os vestígios desagradáveis da noite tumultuada.

Saide, apesar de seus 15 anos, carregava consigo uma presença que refletia uma adolescência precoce. Seu casamento com Ernesto, firmado em tenra idade, marcava uma entrada precoce no mundo adulto. A carência emocional que a envolvia era uma sombra persistente, forjada pela falta de atenção paterna ao longo dos anos.

Na essência de uma típica jovem, Saide enfrentava conflitos com sua imagem refletida no espelho, buscando satisfação em um corpo que parecia não atender às expectativas pessoais. As nuances da insatisfação eram particularmente evidentes quando contemplava a própria figura, sentindo-se magra demais aos seus próprios olhos.

O desejo latente em Saide se materializava em uma busca por atributos físicos que a sociedade muitas vezes valoriza. Ansiava por seios generosos e um traseiro mais pronunciado, anseios que, até o presente momento, permaneciam fora de seu alcance. Nesse cenário complexo de juventude, casamento precoce e anseios estéticos, Saide navegava por um mar de desafios, buscando entender seu próprio lugar no mundo em constante transformação ao seu redor.

O passado de Saide revelava uma tragédia que se desenrolou desde o momento de seu nascimento. A mãe dela não sobreviveu ao parto, deixando-a órfã desde o início. Anos mais tarde, seu pai, Júlio, envolveu-se com uma jovem cuja diferença de idade beirava quatro décadas. O que se seguiu foi uma trama nefasta em que, sob efeitos de drogas, ela foi entregue a Júlio para ser explorada de maneira hedionda. Dessa violência, uma vida foi concebida, e meses depois, nasceu Michelangelo, o garoto magricela que, de maneira chocante, Otto pendurou de ponta cabeça na parede.

Após dar à luz, a jovem vítima, denominada Yelena, foi cruelmente vendida a um homem de grande prestígio dentro da sociedade criminosa. O destino dela permaneceu envolto em mistério, pois não há notícias sobre seu paradeiro subsequente. As sombras sugerem que Yelena, após ser vendida, encontrou-se aprisionada em uma existência de servidão sexual, subjugada por vários homens em um trágico desdobramento que evidenciava as crueldades inerentes ao submundo em que estava inserida.

Michelangelo, o frágil garoto pendurado de ponta cabeça por Otto, era alvo constante de escárnio e zombarias por parte dos soldados e capangas que orbitavam ao redor de seu pai, Júlio. Este último, indiferente aos tormentos de ambos os filhos, incluindo Michelangelo, mantinha uma postura apática diante das crueldades infligidas ao garoto magricela.

As Crônicas da Morte [2° Livro Da Saga Ancestral]Where stories live. Discover now