20. Velas Apagadas

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Após apanhar de Neon (e, é claro, bater também), Otto saiu do meio da multidão. Os que ficaram continuaram a discutir sobre possíveis formas de resolver, de maneira amigável (ou drástica), a situação dos habitantes de Étienne. Afinal, aqueles hereges estavam se tornando mais e mais céticos, a ponto de idolatrar somente o dinheiro. Apesar de Éron ser um deus tirano, ele também era um psicopata que fazia de seus desígnios uma religião à qual o mesmo se via obrigado a obedecer. Não pelos outros, mas sim por crer em si mesmo de uma maneira tão unânime que seria difícil tirar o seu ego da cartola.

Por isso, e por outras coisas, ele convocou o conselho e também o panteão de deuses, compostos pelos seus filhos, e também por alguns anjos, e, é claro, os deuses antigos. Fazia apenas 10 minutos que eles haviam começado a discutir sobre o assunto quando Otto chegou e a briga inevitável aconteceu. Foi divertido? Sim. Principalmente para Éron. Ele não fazia muita distinção entre os filhos. Em um dia ele podia exaltar um. No outro podia arruinar a vida de quem protegeu no dia anterior e assim sucessivamente. Era um fetiche dele fazer isso. Dali, ideias vinham e iam, e foi decidido que em breve mandariam o primeiro ataque à cidade. Frost, como o mais racional, deu suas ideias. Todas foram aceitas e distribuídas em ondas de ataque. Frost tinha uma inteligência absurda. Sugeriu além de um inverno longo e sem comida, que também enviassem Yokaytans para aterrorizar as pessoas sem dó nem piedade. Embora calmo, o deus, um tanto mais magro e menos musculoso que os demais, tinha alguns fetiches estranhos como ter ideias um pouco absurdas de tortura e afins. Já aprontou muito quando era um pouco mais jovem. Mas agora se concentrava em traçar boas estratégias para, de forma (mesmo que involuntária), agradar ao pai.

Dentre as ideias de ataque já citadas, havia mais algumas. Em uma delas, Absaydon estava envolvido.

— Além das opções que sugeri anteriormente, ainda há outras possibilidades de ataque. Como um tsunami em escala jamais vista.

— Um tsunami? Isso não é uma má ideia — disse Éron coçando a barba. — O Absaydon faz isso de olhos fechados. Acho que seria um primeiro impacto forte o suficiente para derrubar a cidade nos pontos baixos.

— Não precisamos matar todos — afirmou Frost. — Mas ao menos uma parte deles. Isso os forçará a ter uma leve lembrança de nossa existência.

— Só uma dúvida — Éron disse levantando levemente o dedo como se fosse um aluno na escola.

— Pois não — respondeu Frost, olhando para o alto da escadaria.

— Não podemos matar todos de uma só vez?

Todos arregalaram os olhos. Era sério, isso? Não, só um louco diria isso. E, naquela altura, o que eles queriam entender era o porquê. Por que diabos ele queria matar todo mundo? O que ganharia com isso? Era óbvio, nem todo mundo sabia. Mas quem sabia, tinha certeza de que era para implicar com Agamenon e sobrecarregá-lo, assim que tudo acabasse. Porém, ele não sabia que esse gostinho não seria por suas mãos e sim por uma pestinha, sua neta, Sia, e uma boneca muito sapeca.

Absaydon sacudiu a cabeça em negação. Ele estava no fundo do salão, encostado numa pilastra, observando tudo com indignação. Ele sabia das intenções do pai. Conhecia bem a maneira narcisista e tirana do pai com o irmão. Sabia da opressão e o quanto Agamenon sofria por não ter com quem contar, um ombro para chorar. Ele simplesmente era as cinzas do que um dia já fora. E isso irritava Absaydon profundamente. Pois a verdade é que essa história de adoração e opressão nos humanos, para isso não passava de uma fachada para esconder suas verdadeiras intenções: enlouquecer Agamenon.

— Bom, não é impossível, se a gente quiser — disse Frost. — Mas se fizermos isso, não haverá ninguém para orar aos deuses.

— Concordo! — completou Absaydon, caminhando entre a multidão, que abria espaço enquanto o olhava. O deus usava um hanfu azul, de barra mais curta que dava no joelho. Todos os hanfus eram desse estilo, de forma que as calças encorregadas ficassem à mostra, assim como as botas de couro preta (que podiam variar de cor) que ele usava naquele momento. Absaydon também usava um longo cachecol no pescoço.

As Crônicas da Morte [2° Livro Da Saga Ancestral]Where stories live. Discover now