Lucca
Eu estava me sentindo desorientado, dolorido apesar da medicação, mas acima de tudo, apavorado.
A sensação de ter minhas pernas esmagadas ainda era muito latente, assim como quando ficamos muito tempo no mar e depois conseguimos sentir como se ainda estivéssemos na água. E a dor também não me deixava esquecer...Fui examinado de todas as formas possíveis desde que recobrei a consciência, e o diagnóstico dado pelo Dr. Hill soou como uma sentença de morte aos meus ouvidos.
Paralisia...
Os exames não tinham sido conclusivos quanto ao tipo, reversível ou irreversível, já que alguns testes não puderam ser realizados por conta das minhas pernas estarem fraturadas e imobilizadas.
Mesmo assim, as implicações desse veredito foram tomando forma ao me ver completamente dependente das enfermeiras. E ao ver as reações dos meus pais, irmãos e amigos ao me olharem totalmente penalizados.
Mas o meu maior medo era confrontar Allie e ver em seu olhar pena e não mais o amor que me fazia querer viver.E ao vê-la, senti meu coração bater mais rápido como sempre acontecia quando a via e sorri encabulado, recordando do quanto ela insisstiu para que eu não saísse da festa.
Se eu tivesse escutado...Porém ao encará-la o que eu mais temia aconteceu: o desconforto em sua postura, seu olhar fugindo ao meu. Por um instante, achei ter visto em seus olhos uma mescla de pena e horror.
Ela evitava me encarar, olhando em todas as direções do quarto, parecendo estar deveras interessada na decoração, que por sinal era toda branca.
Quando por fim ela me encarou, tentei amenizar o impacto de me ver assim machucado, usando do bom humor para protegê-la e para que ela percebesse que eu continuava o Lucca de sempre.Mas a tensão era tão densa que poderia ser cortada com uma faca e o diálogo truncado entre nós era prova disso:
- Oi, meu amor... - ela disse baixinho, finalmente me encarando por alguns instantes.
- Oi princesa. - respondi com a voz embargada, me sentindo sufocar por um misto de emoções.
- Que susto você nos deu.- disse obviamente desconfortável.
- É... eu sinto muito por isso. - respondi sorrindo levemente, tentando romper o constrangimento. - Mas o castigo está sendo duro.
- Lucca...
A interrompi, com medo do que ela poderia dizer:
- Eu sei que a lataria está bem danificada, mas não mereço nem mesmo um abraço?!O bom humor já havia me livrado de situações bem complicadas e eu esperava que essa não fosse exceção.
Ela demorou um instante e por fim sorriu ao responder:
- Seu bobo! - encaminhando-se em minha direção.
O abraço desajeitado no início, o governo tornou-se apertado e senti as lágrimas dela molhando meu pescoço.
- Allie... princesa... não chore! Vai ficar tudo bem.
Tentei passar confiança e segurança em meu tom de voz, mas por dentro me sentia aterrorizado.
- Ah, Lucca... eu tive tanto medo de te perder, meu amor!
Ouvir aquelas palavras sentindo o calor do corpo dela, por um momento, atenuou todo meu sofrimento.
Contudo, meu conforto durou pouco. Ela se afastou do abraço e senti imediatamente um vazio. E ao olhar sua expressão me senti, enregelar.
- Lucca... eu não sei o que dizer, o que fazer... - disse angustiada- Há algo que eu possa fazer?!
-Sim, me dar um beijo! - respondi de pronto, sentindo a tensão aumentar.
- Eu estou falando sério!- falou exasperada e claramente impaciente.
- E eu também, princesa.
Ela me encarou e se aproximou, mal roçando os lábios nos meus, não me dando chance de aprofundar o beijo.
Afastou-se e ficou torcendo as mãos, inquieta.Irritado e tomado pela insegurança, falei com rispidez:
- Alicia, não se sinta presa ao nosso relacionamento. Eu sei que namorar um... um...
- Um o quê, Lucca?!- aparentemente minha hesitação tinha conseguido irritá-la e fui pressionado a concluir com aspereza.
- ALEIJADO!!!- gritei nervoso.
Senti minha boca amargar ao pronunciar essa palavra.
- O que deu em você... - incrédula ela me encarava.
- Sei que não é seu sonho de consumo - deixei que a ironia dominasse minhas palavras.Ela recuou como se houvesse sido atingida por um choque e quando me olhou seus olhos estavam nublados pelas lágrimas e mágoa.
Flash back On
Estávamos sentados em nossa lanchonete preferida e enquanto aguardávamos os nossos pedidos, brincávamos de criar histórias com as pessoas que entravam. Estávamos nos divertindo muito com as situações mais bizarras que havíamos criado, até que entrou um jovem casal, ele cadeirante.
Allie imediatamente parou de sorrir e disse algo que me chocou por sua crueldade:
- Ela é tão jovem e bonita, vai estragar a vida namorando alguém assim.
- Alicia!!! Como, alguém assim?! - disse horrorizado- A deficiência não é impedimento para que as pessoas amem e sejam amadas!!! Que absurdo...
- Lucca, eu só quis dizer...
- O que?! - interrompi indignado- Se fosse comigo, você iria me abandonar?!Devo ter sido um tanto rude, porque ela abaixou a cabeça e me pareceu realmente arrependida e envergonhada do comentário preconceituoso que fizera.
- Claro que eu jamais te abandonaria, amor, afinal nós já estamos juntos!!! O que quis dizer é que, não sei se teria coragem...
- Coragem?! Sério?!
- Ai meu Deus!!! Se me sentiria atraída por alguém nessas condições para começar uma relação. Enfrentar as limitações, o preconceito...
- Ah, claro!!! Muito me admiro por você falar em ter coragem para enfrentar o preconceito. Afinal, nós enfrentamos isso continuamente e não é de nenhum estranho!!!- mais uma vez ela abaixou cabeça e evitou meu olhar, claramente- Bem, isso não é problema nosso. Você é perfeito, lindo e eu te amo. Não vamos discutir por isso- tentou contemporizar tocando e acariciando minha coxa, me fazendo perder o ardor de lutar por qualquer causa que fosse.
Flash Back Of
A
licia parecia querer desaparecer no ar como se fosse fumaça para evitar ser confrontada ao se dar conta do que eu me referi.
- Lucca, você sabe que foi um comentário infeliz e que não sou preconceituosa. E a nossa situação é outra...- Outra?! Não, não é!!! Você não entendeu que estou aleijado?!
Percebi que estava gritando ao terminar a frase porque ela se afastou de mim ainda mais, em choque com a minha reação.
- Lucca, eu...
- Alicia, vá embora, por favor !!!- disse friamente, exausto por tantas emoções.
- Mas, me deixa...
- Vai embora!!! Eu não quero e não preciso da sua piedade!!! Ou que você arrume coragem para ficar com alguém como eu.
- Amor, por favor...
- Sai daqui!!! Vá embora!!!Eu estava descontrolado e meus gritos fizeram com que meus pais, assustados, entrassem no quarto.
Ao vê-la chorando e a mim praticamente sentado na cama, ofegante, com os monitores apitando freneticamente, a abraçaram ,conduzindo-a em silêncio para fora do quarto.Em seguida, uma enfermeira com ar preocupado entrou e aplicou algo no soro, me fazendo dormir.
Meu último pensamento consciente foi que realmente tinha recebido um veredito e que as perdas já haviam começado.
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Rise UP
RomanceUm amor que teve início na adolescência, pode ser destruído por um acidente e suas consequências? Imaturidade, traumas do passado, falta de confiança e preconceito, podem acabar com uma relação? Nessa história vamos descobrir como o autoconhecimento...