A DESESCALADA

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Desescalar [verbo transitivo e intransitivo;] 1. Diminuição gradual da extensão, intensidade ou magnitude de uma situação crítica, ou das medidas para combatê-la. 2. Redução progressiva das operações militares num conflito de guerra.

Em abril o governo espanhol havia aprovado um plano para que, dentro do estado de alarme, os cidadãos pudessem retomar as atividades econômicas e sociais de forma progressiva. A desescalada. Por esse sistema o governo orquestrou a vida da população em sua volta à normalidade. O plano seria dividido em fases quatro fases começando de zero. Cada uma com duração mínima de duas semanas, e a máxima determinada por cada Estado de acordo com o número de contágio e a capacidade do sistema de saúde.

A fase zero chegou em Barcelona em junho, e iniciou-se uma espécie estranha de liberdade condicional com a palavra distanciamento social como lema. Começou permitindo passeios para crianças, idosos e conviventes com horário definido; os parques que haviam se acostumado ao monólogo som dos pássaros pela cidade fantasma, voltaram a se agitar com os gritos estridentes de pais e filhos; os calçadões da Barceloneta se encheram de máscaras azuis e encontros de aplicativos. Os funcionários de fábricas e escritórios voltavam aos poucos e em sistema de rodízio. Os restaurantes e cafeterias abriram para retirada de comida e as reuniões domiciliares de até dez pessoas foram liberadas. Não demorou para a polícia ser acionada diariamente por algum vizinho que fazia questão de contar quantas pessoas entravam na casa do outro para denunciar. Nos comércios e táxis as pessoas eram separadas por divisórias de acrílico, e no chão, por todos os lados desenhos de um par de pés indicava onde deveriam se posicionar. Dois metros era o máximo que um podia se aproximar do outro e todo esse furor se espremia entre o horário das seis da manhã às dez da noite, quando começava o toque de recolher. A desobediência significava multas altíssimas.

As regras foram seguidas até que o verão chegou, e Barcelona eufórica saltou, não oficialmente, para a fase três e tivemos bares e restaurantes funcionando como se nada estivesse acontecendo.

Naquele fim de tarde, de uma sexta-feira despretensiosa de verão, três coisas que iriam definir o rumo dessa história aconteciam simultaneamente. No bairro da Sagrada Família Gerard terminava de trabalhar e planejava a noite de cerveja com seus amigos, as viajes pela Europa permitidas então em dois dias iria para a Grécia. Uma viagem definitiva para retomada de seus planos. Na zona alta da cidade, Olivia e Pierre viravam estatística: mais um casal que acabava o relacionamento após a quarentena. Enquanto isso, na montanha de Montjuic, Cecília com Jack e Dani, desfilavam seus vestidos de verão no bar Terraza Miramar.

Um bondinho vermelho subia de Barceloneta para o Castelo de Montjuic, passando pelo Port Velho, ao lado da estátua de Colón que apontava eternamente o caminho para as Índias.

— Caralho Ju, não dá — cochichou Cecília, balançando a perna impaciente.

A ex-colega de trabalho concordou discretamente, sem tirar o copo de cerveja da boca. As duas, a fim de retomar a vida social e as paqueras, insistiram para que o tio de Julia, que tinha mais ou menos a idade delas, apresentasse alguns amigos. Ele cumpriu o pedido delas, agora as três patricinhas tentavam não deixar transparecer a decepção diante dos três pobres rapazes que pareciam acabados de chegar da roça. Cecília com um sorriso amarelo, foi quem saiu com o plano de fuga:

— Gente, está legal aqui, mas minha amiga está me esperando na Barceloneta — mentiu, e se levantou para ir embora. As outras duas fizeram o mesmo e, ignorando os olhares atônitos do tio e seus amigos, as três partiram, rumo aos dadinhos de tapioca do La Carioca.

O La Carioca era um bar brasileiro que funcionava na parte de trás do Museu de História de Catalunha. Ao contrário dos tempos pré-covid, dentro havia poucas mesas, os músicos estavam com máscaras e isolados no palco e ninguém dançava. Elas conseguiram uma mesa no lugar mais requisitado naqueles dias em que todos queriam estar ao ar livre, do lado de fora do que quer que fosse.

A RESPOSTA DE ALINA ( EM REESCRITA)Onde histórias criam vida. Descubra agora