ALGO OU ALGUÉM

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Querido diário, tenho me perguntado o quanto esse meu lado feral tem de mim. Quando penso na forma brutal com a qual esse meu lado se agarra a seus desejos, me pergunto se alguma vez eu me importei assim, então percebo que nunca persegui meus próprios sonhos com tamanha garra. Se é esse o meu lado que mais se importa com suas necessidades, então o que me garante que não é esse lado que merece mostrar sua face ao mundo?

                 Trecho do diário de Charlotte
                                      8 de maio de 1913

Martina era a protegida dos Laurent, e existiam muitos boatos sobre o porque disso. A menina recebeu a melhor das criações, sendo quase como a filha que a família nunca teve.

Alguns diziam que ela seria a filha bastarda do irmão depravado do Sr. Laurent, outros que o próprio Adam era o pai dela. Alguns diziam que ela era a filha de uma empregada antiga da família, e que eles decidiram cuidar da menina quando a mãe faleceu. Florence teria se apegado a menina, por nunca ter tido uma filha, e com isso a adotado.

Seja qual for o motivo, aquele belo vestido de seda deixava claro que a jovem foi criada como uma dama. O toque gentil da mesma também mostrava isso, enquanto a garota passava seu braço pelo de Charlotte, a convidando para uma agradável caminhada.

— Não é impressionante que a natureza faça isso? — a morena perguntou, sinalizando o lindo caminho feito por duas fileiras de árvores, que se encontravam entre si e formavam um largo arco.

— Sim, a natureza é realmente capaz de coisas curiosas.

Martina a lançou um sorriso, deixando claro que tinha entendido para onde Charlotte queria levar a conversa. Ela apontou para um enorme labirinto circular formado por arbustos.

— O que você já descobriu sobre as feiticeiras? — a garota então perguntou, ao começarem a adentrar a grande construção, deixando Charlotte surpresa com a naturalidade com a qual matina falava sobre esses assuntos.

— Sinceramente, eu não sei se entendo muito bem o que elas seriam. — começou Charlotte — Não iríamos falar sobre as pessoas-lobo?

— Calma senhorita. — Martina disse com um sorriso um tanto debochado — Pessoas lobos e feiticeiras tem uma boa ligação. Eu mesma estou aprendendo feitiçaria.

— Então você...- Charlotte tentou perguntar, mas antes de completar a frase, Martina a encarou mostrando seus olhos levemente dourados.

— Não são tão impressionantes quanto os seus, eu imagino. — a garota comentou.

Por algum motivo aquele simples comentário fez as faces de Lotte começarem a corar. Não estava acostumada a ter seus olhos elogiados.

— Isso não te assusta? — Charlotte questionou, começando a sentir algo caloroso invadindo seu peito, como um alívio. Ter alguém na mesma situação com quem pudesse falar abertamente era realmente um alívio.

— Não querida. Assustava no início, mas logo me acostumei.

— Como? Me parece algo realmente torturante. —  questionou de forma um tanto abatida, não tendo mais certeza se ela realmente a entendia.

— Bem, ter uma alcatéia sempre ajuda. — Martina disse em tom gentil, com seus olhos, agora castanhos, parecendo acolhedores.

Uma alcatéia? Charlotte estava prestes a perguntar o que a morena queria dizer com aquilo. Porém, toda a sua capacidade de pensar e de falar, foi roubada por aquela coisa estranha.

A mulher alta, pálida, de cabelos negros assim como seu vestido antiquado, surgia pelas paredes do labirinto. Tudo isso a dava um ar amedrontador, mas a cereja do bolo eram as longas garras que surgiam por aqueles dedos magros, os dentes que começavam a se mostrar como sendo inúmeras agulhas, e os olhos...olhos completamente vermelhos.

OS SEGREDOS DE CHARLOTTE JOHNSONOnde histórias criam vida. Descubra agora