VIII

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Sua vida parecia ainda mais sem sentido agora, como nunca jamais foi. Olhava triste para o pacote cinza e metálico em sua mão. Era relativamente pequeno, e poderia facilmente enfiar no bolso largo de sua calça social. O dia vinte e quatro de dezembro já havia sido riscado do calendário de seu quarto, e agora no dia vinte e sete, era enfim o momento que vestia uma gravata borboleta bem ajustada e destacada em vermelho, e roupas de grife o cobrindo em tons neutros de branco e preto. A energia do natal ainda enfeitava a cidade, e provavelmente iria durar até o final de ano. Conseguia ver de longe as luzes brancas e vermelhas se espalhando nas ruas decoradas de Tokyo, mas somente sentia vontade de fechar as cortinas mais uma vez.

Aquele com toda certeza era o natal mais triste de toda a sua vida.

Nevava levemente, mas ainda não chegava a cobrir as estradas nem levar à desmoronamentos. Era completamente normal. Mas claro, como sempre estaria animado com tão pouco, fazendo bonecos de neve, desenhando na areia branca e fofa e fazendo tudo que sempre desejou; mas claro que não estava nada normal. Não conseguiu pisar os pés lá fora desde a última vez que viu Hitoshi e decidiu negar o seu pedido, e provavelmente não sairia tão cedo por conta própria. Se sentia tão quebrado por dentro que não conseguia sentir alegria com nada, mesmo quando em algum momento já havia se sentido feliz apenas respirando o ar do jardim. Não sabia como ele estava, no momento não queria nem saber, se pudesse não lembraria nem ao menos seu nome.

— Denki? — uma voz doce surgiu de repente, o fazendo se ajeitar sentado na cama, escondendo o pacote atrás de si. Sua irmã o encarava com certa confusão, mas também havia um tom de preocupação na voz que lhe escapava — Você tá legal?

— Tô. — riu forçado e nervoso — Claro que tô.

— Hum. — ela desviou o olhar, já se preparando para sair. Reparou que ela usava um vestido longo e verde escuro, de um tom que se aproximava do verde floresta — O pai tá chamando a gente. Temos que ir.

Soltou um suspiro cansado, só assentindo para ela e vendo sua silhueta desaparecer, deixando a porta escancarada.

Como esperado, seu pai foi convidado para uma festa particular, que foi feita após os dias de natal, para não pegarem todo o feriado. Estava pronto justamente para isso, excepcionalmente arrumado como todo o resto de sua família, como sempre estiveram.

Se levantou com certa preguiça, percebendo que carregava em sua mão o embrulho prateado. Engoliu em seco enquanto o encarava, resolvendo, sem pensar muito, o colocar em seu bolso, como algum tipo de conforto diante do momento. Respirou fundo e trêmulo, relaxando enquanto dizia a si mesmo que seria só mais uma festa normal, com pessoas não tão normais assim, e com sua família mais bizarra do que qualquer outra coisa que já havia visto ou presenciado.

×××

O tintilar de cristais chiques ecoava por todo o enorme salão. Conversas paralelas — mas sussurrantes — também eram ouvidas, fora as risadas forçadas, claro. Denki estava na festa com a família, mas, como sempre, não conseguia se encaixar em nada. Aqueles lugares tinham determinadas regras, principalmente em uma ocasião como esta. Todos eram divididos em núcleos, que chegavam a ser pequenos ou maiores, mas sempre existiam. Tinha o dos maridos empresários, das mães de família, dos jovens que falavam sobre namorados ou namoradas, e assim se seguia. Sua família se destacava nos primeiros agrupamentos, mas nunca conseguiu encontrar alguém ali com quem pudesse conversar normalmente e por um longo tempo, já que costumavam ficar lá a noite inteira.

Todos os garotos falavam sobre as empresas de seus pais, ou como galantearão garotas que estavam bonitas e bem vestidas na festa, como se a única coisa que soubessem fazer era trabalhar e bajular mulheres sexy com fendas na coxa. Já as garotas nunca tinham algum assunto que realmente estivesse por dentro, por assim dizer; além, é claro, de não gostarem de rapazes que não flertassem com elas. Logo, não tinha ninguém para conversar ou passar o tempo. Tudo que poderia fazer era ficar na mesa com diversos aperitivos e bebidas, fora os que os garçons distribuíam pelas bandejas ao passar por todos.

17 hours (ShinKami)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora