Case one: sem testemunha!

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Ao arrastar o corpo para a sala de estar, fazendo um leve caminho com o sangue, constatou que aquele cara pesava muito mais do que havia previsto. Soltou os braços molengas em um baque suave e deixou escapar um arfar de cansaço momentâneo. Fez uma nota mental para fazer alguns exercícios extras. Curvou-se à frente do corpo, empurrando-o para que pudesse vira-lo de barriga para cima, onde tateou na árdua procura de qualquer indícios de algum pequeno aparelho. Acabou encontrando um pendrive no bolso da frente da calça jeans surrada e manchada de sangue, um aparelho bastante útil. 

Diante da missão ser muito bem sucedida, apesar de seu alvo não facilitar um pouquinho sequer a sua tarefa, um sorriso despreocupado desenhou seus lábios, já que a máscara preta cobria a metade do seu rosto, deixando apenas os seus olhos à mostra. Nada poderia acabar com aquele êxtase depois de uma carga exagerada de adrenalina. Um pseudo engano. 

Uma sensação desgostosa apoderou-se de seu corpo, uma que ele conhecia muito bem, a sensação de estar sendo observado. Rapidamente, o seu sorriso transformou-se em um entortar de lábios e seus olhos aumentaram de tamanho ao apontar a sua arma silenciadora na direção do intruso. Era uma criança

Fodidamente, trata-se de uma criança parada em sua frente, vestida em seu pijama, com o cabelo totalmente bagunçado, tendo o medo refletido em seus olhos escuros e avermelhados por causa do choro silencioso. Dava para ver, apesar da escuridão quase cegueira, o peito subir e descer ruidosamente. Seus grandes olhos desceram para o corpo morto embaixo de seu joelho e voltaram-nos a olhar para ele, em uma lenta e dolorosa reação. Um baixo soluço saiu dos lábios trêmulos do garoto. 

E mais uma vez, como se fosse um som de um dedo apertando o gatilho de uma arma, a regra número cento e quarenta e três piscava como um farol vermelho em um trânsito, onde o tráfego era infernal, sendo narrado pela voz irritante de seu chefe. 

— De todas essas milhares de regras, há apenas uma que é importante e também que te mantém vivo e são. A impiedosa regra de cento e quarenta e três. Ela consiste em não deixar nenhuma testemunha viva…, não importa quem seja. Entendeste? — Repetiu de forma decorada e sem ânimo, como se fizesse isso há bastante ano, mas demorou-se nas últimas palavras, ostentando um sorriso cheio de malícia nojenta. 

— Sim, chefe. — O australiano concordou com os termos e regras idiotas impostas pela gangue ou máfia, se preferir, dá na mesma depois de tudo. Não era da sua conta, no fim das encruzilhadas. Afinal, estava ali para obedecer ordens e não questioná-las. 

Mesmo com a mão trêmula, o seu indicador deslizou, de forma bastante demorada, para o gatilho, onde apertou com força; sem desviar o olhar dos olhos escuros sem vida da criança. Provavelmente, o garoto estava morto muito antes de ser atingido pela bala. 

CASE 1⃣4⃣3⃣

Em um suspirar bastante tenso, ele engoliu qualquer grito ou choro que queria sair, não podia demonstrar fraqueza e muito menos passar a impressão de estar arrependido de algo. Seria uma sentença de morte, na certa. 

Como de costume, o seu celular reproduz um som costumeiro e que passou a odiar com o passar dos meses. 

— Sim? 

"Tudo feito, Yongbok?"

Félix olhou para a fachada da casa pegando fogo e logo escutou o som da sirene de uma viatura policial, quase inaudível do local onde se esgueirava. 

— Tudo feito. — O frio daquela madrugada perdia para a frieza em sua voz. 

"Há alguma testemunha?"

Félix fechou os olhos com extrema força diante da lembrança do olhar da  criança encarando-no intensamente. Não tinha sequer uma mísera vida e muito menos uma súplica descritas em seus olhos escuros. Nada. Absolutamente nada mais do que um imenso vazio. 

"Yongbok?"

Félix apertou o celular com a sua mão protegida pela luva de couro. — Sem testemunhas

"Bom trabalho. Já sabe o que tem que fazer a seguir."

A chamada se encerrou com esse lembrete, Félix afastou o aparelho de sua orelha e prontamente desligou o celular. Com a última olhada na casa destruída, continuou o seu caminhar despreocupado para longe daquela rua. Ou até mesmo estava querendo fugir do pesadelo que viveu em poucos instantes. 

CASE 1⃣4⃣3⃣

Assim que pusera os pés dentro de casa, não fez questão de demorar para o descarte do chip do aparelho eletrônico, dobrou-o inúmeras vezes até danificá-lo bastante o suficiente para não ser mais útil e jogou-o na lixeira. Assim, daquela forma, se encerrava a sua missão, com esplendor e êxito, sem erros. 

Descartou também, as roupas, luvas, tudo que ligava a aquela encomenda, não queria que sobrasse nada desta madrugada. Dentro do box, deixou que a água fria levasse todo o sangue espalhado pelo seu corpo, algumas partes ele precisou esfregar, já que o sangue havia secado. Félix desejou também que a água levasse as memórias que ainda o perseguiam. Principalmente, os olhos escuros da criança. 

Apesar dos pesares, sobrou apenas ele, o único que testemunhou tudo, até a morte de uma criança inocente. Não que algo poderia ser diferente, fora ele que apertou o gatilho de qualquer jeito. 

Case 143 | (Hyunlix)Where stories live. Discover now