Desespero

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Descanso. É disso que eu preciso e foi por isso que liguei escondido para Kurogiri durante a noite.

Eu precisa falar com o doutor para que extraísse a minha individualidade. Podia parecer egoísmo querer tanto ela para no fim descarta-la, mas a minha individualidade não era apropriada para meu corpo e até mesmo os seres vindos dela sabiam disso. Kurogiri era o único para qual eu tinha revelado tamanho segredo e por conta disso pedi a sua ajuda. E céus que bom que ele pode me ajudar! Eu só teria de inventar um boa desculpa para me afastar de Enji.

O jantar de noites atrás foi um tremendo desastre. A minha ansiedade foi claramente justificável quando me lembro de como tudo acabou. O ruivo esteve bem ocupado nos últimos dias, o que é bom para não tocar no assunto mesmo que eu sinta uma enorme saudade.

Saudade. Isso é o que sinto de muita coisa.

Da minha adolescência, quando tudo era mais fácil e simples.

Do meu pequeno menino, quando ele ainda era inocente e não era tão focado em vingança.

Da minha vida antes da individualidade, quando eu não sentia as dores absurdas que estou sentindo agora.

Saudade é uma palavra forte que representa muita coisa. Desde aquilo que não podemos ter até o que nunca tivemos.

Eu estou num prédio abandonado longe do centro da cidade, esperando Kurogiri aparecer junto do médico e penso se a decisão que fiz está certa. É fraqueza demais não querer a individualidade que possuo?

"Minha senhora, acredito que eles não vão demorar para vir." Comunicou a criatura com as mãos e movimentos simples com a boca.

- Obrigada por avisar, Titan. - Respondi sorrindo para o ser que se sentou ao meu lado.

"A senhora tem certeza que é isso que deseja?"

- Tenho. Eu sei que com isso não terei mais a sua companhia, mas eu não aguento mais, Titan. - Disse baixinho pressionando a minha barriga levemente.

Eu nunca tive um filho em meu ventre e muito menos cheguei a parir um, mas acredito que a dor que sinto cada vez possa ser assemelhada a uma contração e quando eu o liberto se assemelha a um parto completo.

Dói.

Dói de uma maneira que não quero a ninguém e espero que quem usufrua dessa individualidade futuramente seja alguém mais forte que eu para aguentar.

"Se libertar não vai doer tanto. Você viu como foi com Abbadom, doeu mais segurar tudo."

- Eu não quero mais falar sobre isso, Titan.

Um olhar entristecido tomou posse dos olhos negros do demônio que se calou e observou um vulto negro vir até nós. O ser mais recente se encantou com um cachorro que viu em algum lugar e tomou a forma como sua, chegava até a se comportar como um.

"Chegaram." Avisou Titan se levantando.

Kurogiri criou um portal e revelou sua forma após a passagem do médico. O senhorzinho um pouco mais baixo que eu, tinha um sorriso ambicioso no rosto e olhava com grande curiosidade para os seres ao meu lado.

- S/N, é um prazer revê-la! - Cumprimentou o doutor. - Eu soube que deseja remover a sua formidável individualidade, mas eu ainda não entendi o motivo. É um poder único que a deixa imensuravelmente forte.

- Mas o meu corpo não aguenta tal poder, doutor, por isso peço que retire o quanto antes. - Pedi apertando a mão que o mais velho me estendeu.

Um suspiro veio do mesmo. Uma negação com a cabeça. Outro suspiro.

- Você é minha superior mesmo que All For One não esteja mais aqui. - Respondeu o mais velho.

Um alivio percorreu-me e sorri agradecida.

Era maravilhoso saber que não sentiria mais essa ardência e nem a dor absurda que me faz por um fim com minhas próprias mãos.

Kurogiri me fitou com um olhar acolhedor. Fez um cortejo de cumprimento e nos levou até a clinica do doutor num esconderijo que não sabia que existia.

Muitas coisas aconteciam nos últimos meses e eu estava começando a me desnortear. Eu não sabia dizer mais o que era verdade ou mentira, mas quando se envolve com vilões nunca se tem essa certeza. 

Era uma sala espaçosa, mas abafada. Tinha apenas uma saída com um corredor que eu não enxergava bem. O médico me guiou até uma cilindro onde cabia três de mim lá dentro, pediu que eu respirasse fundo e avisou que podia doer. Abbadom e Titan se juntaram a mim lá dentro.

A comporta se fechou e ficamos presos. Conseguíamos ver tudo através do vidro, entretanto não escutávamos nada vindo de fora. Começou a ficar quente, abafado e eu sentia uma falta de ar constante. Estava ficando claustrofóbica conforme a ansiedade me tomava junto do medo ao perceber a demora ocasionada por uma conversa entre os homens.

O doutor apertou um botão e logo um liquido começou a subir rapidamente. Me desesperei. Não sabia o que estava acontecendo. Aquilo era normal? Tantas perguntas, mas quando o liquido com odor forte de álcool chegou no meu joelho, comecei a bater contra o vidro.

Chamei o médico. Chamei Kurogiri. Nenhum dos dois respondeu.

Medo.

Perguntei-me se eles não conseguiam me ouvir. Meu amigo até olhou para mim com aqueles olhos dourados e, por um momento, pareciam azuis. Olhos azuis cheios de angustia. Que pareciam saber como eu me sentia.

- Kuro! - Gritei batendo com força no vidro temperado.

Não sei quando tive que começar a nadar para poder respirar, entretanto sabia que a minha sorte era os advindos da minha individualidade que mergulhavam e forçavam o meu corpo para cima. Eles não precisavam de oxigênio, mas eu sim.

O liquido batia no meu queixo mesmo que mantivesse a cabeça erguida. Respirei fundo uma última vez e mergulhei. Não conseguia enxergar direito e aquilo ardia meus olhos. Escutava tudo da pior forma. Vendo fosco, percebi que Abbadom e Titan batiam contra o vidro da mesma forma que eu estava fazendo antes.

Meus pulmões ardiam e tive que fechar os olhos para não ficar completamente cega. Uma dor aguda veio do meu estomago e soltei um pouco do ar que segurava. Um barulho alto e senti o meu corpo todo queimar.

Gritei.

Dessa vez, me escolha!Onde histórias criam vida. Descubra agora