2.L I N H A S

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Dentro do trólebus, ideias abstratas passam pela cabeça do rapaz.

"Acho que o trólebus, é uma das coisas mais Cyberpunk de São Paulo. Pensa só, um ônibus, que é um transporte público, ou seja, um artefato do proletariado, algo que a classe alta sabe que existe, mas não usa. Por que ela não precisa usar, eles andam de carro para cima e para baixo, por quê?
Porque eles podem!
Então, esse Ônibus público, além de ser muito prático, indo de município a município, ainda é movido por uma rede de cabos, ligando todo o ABCD Paulista, e outras regiões, e digo mais, no Natal o ar Cyberpunk fica ainda mais evidente, quando eles o enchem de fitas de led neon para chamar atenção, óbvio que tem outras coisas em São Paulo que tornam ela uma possível metrópole Cyberpunk. A linha amarela é um exemplo. Acho incrível como uma linha tão direta, pode ser tão bonita (visualmente falando), tão prática, e tão estilosa. Para quem não sabe, a linha Amarela vai da estação Luz até o Morumbi. Em um trem sem divisões de vagões, onde você pode ir andando de uma extremidade do trem até a outra. Tem a linha prata também, que vai da Vila Prudente até São Matheus, se não me engano. Mas ela me assusta de verdade, morro de medo de acontecer um acidente ali, por que a linha 15 é um monotrilho, que fica acima da avenida. E não temos um Clark Kent trabalhando um ESTADÃO em São Paulo caso haja um acidente. Eu sei que alguns trens da linha Turquesa têm a mesma característica, mas eu acho a linha Amarela e prata as mais estilosas.

Ao passar em frente ao Shopping ABC, o rapaz lembra de seu tempo como barista em uma cafeteira.
Eu gostava de fazer café, era gostoso, tirava expressos para fazer todo tipo de drinks que você possa imaginar. Tinha um...
Antes que o rapaz pudesse terminar seu pensamento, uma jovem, um pouco familiar, entra no ônibus.
Eles estão na frente do hospital de exames da Tecnolab(chegando ali, definitivamente em São Bernardo).
A moça entra suavemente no veículo, seus cabelos cor de chama aquecem o coração do jovem professor. Ao se virar e olhar para frente, seus olhares se cruzam novamente. A garota desviou o olhar envergonhada, o rapaz faz o mesmo.
Os dois estão com vergonha, mas algo intriga eles. Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Então o que será isso? Destino? Presságio? alguns chamariam de providência do universo, algo que funciona, simplesmente por que o universo quer que funcione.
Os dois estão nas extremidades do ônibus, ele no fundo, em um banco triplo, atrás da porta, e ela na frente, em um banco único, solitário. Os dois estão na mesma altura. A garota tira um livro de sua mochila. É uma cópia de Razão e Sensibilidade da Jane Austen, ao mesmo tempo o professor, pega uma cópia de Demolidor do chip zdarsky. Enquanto eles liam, começou a tocar One do Metallica nos fones do rapaz, e imediatamente ele olhou para frente e reparou que a garota também estava de fones de ouvido, logo ele se perguntou, o que a garota estava ouvindo? Ela tinha cara de quem ouvia algo mais puxado para o Joy Division, ou The Smiths, algo nessa pegada.

Ao lado do rapaz tinha um casal de senhores discutindo, algo como uma briga, para ver quem ia fazer o que quando chegassem em casa.

- Não quero mais assistir filmes com você.
- Por quê?
- Você não presta atenção, dorme em 5 minutos e depois fica me perguntando quando nos levantamos.
Exclama a senhora de colete rosa, segurando a sua bolsa.
- Mas eu não tenho culpa de estar cansado, trabalhei o dia inteiro, gosto de passar um tempo com você. Mesmo que eu acabe dormindo no processo.
- Eu sei meu Dengo! Mas você só faz isso quando estamos juntos. Sempre que você assiste sozinho, consegue virar noites e não se informar, mas quando é comigo, você dorme em 5 minutos.
- Eu entendo meu amor, mas já parou para pensar que isso acontece por que me sinto seguro com você? Como se pudesse descansar, sabendo que a mulher que está comigo há 30 anos, está ali porque me ama e se sente confortável comigo?

A senhora esboça uma feição de espanto, perplexa com a resposta de seu marido. Sua única reação, é fechar a cara e girar sentido da janela.

- Meu amor? Tá tudo bem?

O senhor tira a boina e aperta com força em seu peito, com medo de ter sido rude.

- Sim meu bem, você só tocou num ponto muito bom.

Diz a senhora com pesar no olhar.

A linha invisível que liga o casal nas extremidades do trólebus, puxa e os dois sorriem ao mesmo tempo de uma forma quase que constrangida, mas com uma sincronia assustadora.

Está bem tarde (por volta das 22h) e passando pela parada do Atacadão de São Bernardo entra dois garotos no trólebus. Eles estão vendendo doces.





Passando agora, próximo ao terminal Piraporinha o rapaz se arruma para descer, quando, ao olhar para o lado ele vê que a garota de cabelo cor de chamas também se arruma para descer. Assustado com a sincronias das situações recentes, o rapaz se apressa para descer primeiro e ver quais são os próximos passos da garota. Antes do veículo adentrar no corredor que antecede a entrada do terminal, ele para bruscamente.

Está escuro, não há iluminação na rua, além dos faróis dos trólebus. Todos os passageiros ficam aflitos querendo entender o que está acontecendo. A senhora que fofocava com a amiga no terminal, começa a rezar, o senhor que discutia com a esposa, á abraça enquanto a mesma, treme sem parar de tanto medo. Enquanto isso o rapaz desvia o olhar rapidamente para a garota, que não demonstra estar aflita...

por enquanto...

𝙸𝚗𝚏𝚎𝚕𝚒𝚣𝚖𝚎𝚗𝚝𝚎, 𝚊𝚗𝚊𝚛𝚚𝚞𝚒𝚜𝚝𝚊𝚜.Onde histórias criam vida. Descubra agora