Capítulo 1.

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Luana falava no telefone com sua mãe enquanto aguardava o ônibus para voltar para casa naquela noite fria na capital de São Paulo.

Luana: Mãe, eu já morava sozinha antes, não precisa se preocupar com isso.

Angela: Eu sei, minha filha, mas agora você está longe e eu fico preocupada...

Luana: minha casa não fica tão longe da sua, mamãe, é menos de 1 hora de viagem.

Angela: Filha, só promete que não vai esquecer de me ligar.

Luana: Não vou, mãe.

Angela: Já organizou suas coisas?

Luana: Não tive tempo hoje, mãe, estou voltando para casa só agora - ela avistou seu ônibus vindo e deu sinal para que ele parasse e embarcou no mesmo.

Angela: Você quer que eu vá para te ajudar.

Luana: Não precisa, mãe - ela escolheu um assento e se sentou - vou desligar agora, te mando notícias.

Antes que sua mãe a impedisse a dizendo algo mais sobre a correria da capital e seus perigos, Luana desligou o telefone e o guardou em sua mochila pousada em seu colo.

Encostou seu rosto na janela e foi observando o caminho.

Passando na frente de um corpo de bombeiros, Luana acaba se recordando do incêndio e da sensação de ver sua casa pegando fogo, as pessoas apenas observando junto a ela no meio da rua.

Talvez essa seja a pior lembrança que vai a rodiar para sempre.

Depois de mais de uma hora no ônibus ela se perguntou o motivo de demorar tanto para chegar ao destino, observando as casas tão iguais umas as outras, as ruas sempre mal iluminadas, mas chegando em seu bairro, ela pensou que talvez existisse sim uma beleza em São Paulo, todas aquelas luzes pareciam mais fortes de longe, era bonito ver aquilo.

Chegando na sua parada, Luana deu o sinal e esperou que o ônibus parasse para descer, respirou fundo ao ver a rua vazia, colocou seus fones de ouvido, no Spotify, selecionou "Killing Me Softly With His Song" e começou a subir a rua, se deixando cantarolar.

Antes que pudesse chegar em sua casa, viu três pessoas vindo em sua direção, apertou o passo, mas relaxou assim que pode ver que havia uma mulher entre os homens.

- Hahahahaha, filhote, essa vai ficar pra história - um dos garotos disse.

Quando passou por eles, Luana sentiu o cheiro do cigarro que eles estavam queimando, era tudo que ela precisava para relaxar naquela noite.

- Ei - ela os chamou, a menina foi a primeira a olhar - desculpa incomodar, mas onde fica a loja?

- Na rua de cima, no final da rua - um dos garotos respondeu - se quiser te levo lá - foi então que a menina deu um tapa em seu peito.

- Ignora ele, quer dar um dois?

- Não precisa, vou ir lá, valeu - e foi caminhando na direção em que eles indicaram.

...

- Irmão, que fita de louco, cê vai ter que averiguar essas idéia - um dos garotos que estavam sentados parou de falar assim que ela se aproximou - pode falar.

- E o verde? - Ele a analisou, pensou e perguntou.

- Tenho cara de traficante?

Luana não soube o que responder.

- É zueira pô, quanto? - Luana entregou o dinheiro na mão dele e o garoto saiu - espera ai.

- Seu nome é Luana, não é? - disse o único que estava sentado em uma cadeira em vez do chão, com um cigarro entre os dedos, ela não conseguia ver seu rosto, a sombra da árvore não permitia que a luz do poste o iluminasse.

- Como você sabe disso?

- Eu sei quem entra e quem sai daqui - ele deu um longo trago em seu cigarro antes de o jogar no chão.

- Boa resposta - ela disse.

- Ta aqui - o garoto voltou, a entregando o bloquinho e então Luana se virou e foi embora.

- Luana, espera - a voz do garoto das sombras, ela se virou.

- Matheus?

- O próprio - ele sorriu - que bom que se lembra de mim.

- Impossível esquecer - disse voltando a caminhar em direção a sua casa, mas ele a seguiu.

- Legal saber que você tá por aqui.

- Tem como você parar de me seguir?

- Eu só quero falar com você, faz anos que a gente não se vê.

- Era pra ter continuado assim, eu nunca nem gostei de você.

- Porra, isso foi no ensino médio, caralho.

- E? - Luana parou em frente a sua casa e se virou para ele.

- E que eu mudei, você mudou, podemos ser amigos agora.

- Amigos?

- É, por que não? - ele sorriu - olha, pra te provar que sou seu amigo, me dá isso que ta na sua mão - ela olhou para o bloquinho e o entregou, ele colocou a mão no bolso, tirando de lá um bloco da planta talvez cinco vezes maior do que ela estava segurando, a entregou - amanhã eu volto pra gente trocar uma ideia, não posso ficar moscando assim.

- Eu vou estar ocupada.

- Eu não me importo - ele disse se afastando e indo embora.

Folgado. Pensou.

Abriu o portão e entrou para sua casa.

- Luana? Qual a probabilidade? - disse para si mesma olhando no espelho, que era uma das únicas coisas que ela já tinha desembalado - Ainda mais esse idiota, ridículo, escroto, mal amado - se sentou na sua cama, tirando a mochila de suas costas e observando o pedaço de mac0nha em suas mãos. Deu de ombros.

Tirou um pedaço e buscou seu dichavador e a seda no bolao de sua mochila, e começou a bolar.

Maldito. Pensou.

Enquanto fumava, resolveu procurar algo sobre ele nas redes sociais, sem sucesso algum, seu instagram era privado, não tinha facebook e nem no twitter foi capaz de encontrar.

Então desistiu e foi assistir Reels, antes que desse coragem em si para levantar e tomar um banho para dormir.

No outro dia mesmas coisas, mesmo caminho para entregar currículos, mesmo caminho para comprar coisas que faltavam para completar sua casa, mesmas ruas percorridas, mesmos ônibus e tarde da noite, o mesmo garoto que disse que estaria lá, estava, na porta de sua casa esperando ela chegar.

- Olha só quem chegou.

- Não acha feio ficar de campana na porta da casa dos outros?

- Desde que eu esteja de campana, posso ficar onde eu quiser - ele riu - posso te ajudar? - apontou para as sacolas que Luana carregava com muito esforço.

- Só para eu abrir o portão, já é suficiente. - ele revirou os olhos e pegou algumas sacolas de sua mão e esperou que ela encontrasse a chave e abrisse o portão.

- Vou esperar aqui fora - disse a entregando as sacolas.

- Espera sentado.

Vista do alto da favela - Mc Don Juan.Where stories live. Discover now