00. Prólogo

78 12 6
                                    

Refletindo sobre se o passado foi bom ou ruim, se as memórias moldaram a minha história e se o futuro é o mais relevante... Para mim, nada disso era tão simplista. Especialmente quando a parte mais brilhante da vida tinha ficado para trás. As memórias continuavam a ecoar insistentemente em minha mente, tanto antes de dormir quanto ao acordar. Eu estava fazendo o meu melhor, porém, isso também se tornou um segredo exclusivamente meu.

Não era tão simples ouvir uma música e ter a sua voz sussurrando mais alto do que os fones de ouvido. Não era algo tão simples quando eu percebia que tinha perdido a minha própria identidade, aquela que você me ajudou a construir. Às vezes, me questionava se a minha falta de persistência estava condenando nós dois, ou se era apenas eu que tinha ficado aprisionado em um ciclo interminável, com a sua voz ecoando incessantemente a cada momento.

Naquela altura, eu me sentia torturado ao relembrar o seu cheiro, sentir o seu toque gentil nos meus cabelos, ouvir a sua risada esganiçada e levemente fanha que ecoava em meu ouvido. O único choro que eu abraçava era o seu. As suas reclamações eram as únicas que eu realmente gostava de ouvir. Afinal, eu desejava ser o seu super-herói, o seu porto seguro. Queria ser para você o que você era para mim. E é exatamente por essa razão que me sinto falho. Eu sabia que tinha falhado. Eu falhei.

Eu era a mais completa falha.

Não me restava uma única fotografia, mas sua imagem às vezes surgia para me assombrar. Você comendo um bolo de terra, ou dividindo uma barra de chocolate. Você me contando sobre o seu primeiro beijo e eu inventando um para não ficar para trás.

Você costumava me perguntar se eu largaria tudo para ser um pirata ao seu lado, e eu não hesitava em responder que sim. Quando você mencionava a ideia de viajar até o Japão para colher pétalas de cerejeira, eu brincava dizendo que era um pensamento um pouco bobo, mas no fundo, eu nunca admitiria que não há nada que eu não faria por você. Você costumava questionar se estava parecendo bonito, e naquelas vezes eu mentiria apenas para te provocar e arrancar um sorriso e talvez alguns tapas. Enquanto seguia uma dieta, eu sabia do seu segredo de comer escondido um pedaço de bolo de chocolate. Você teve aqueles momentos em que quis se isolar do mundo todo, mas curiosamente, nunca de mim.

Lembro até da nossa primeira briga, quando você jogou um sorvete inteiro no meu rosto. Me questionava o que havia te deixado tão irritado naquele momento. Teria sido por eu ter mencionado uma garota ou você estava realmente tendo um dia ruim? Mais tarde, você me ligou chorando e pedindo desculpas. Eu não aceitei o seu pedido de desculpas, porque para mim não havia necessidade. Eu também choraria e pediria desculpas, pois o que eu mais desejava era que você fosse feliz e não guardasse rancor algum.

Quando você quis experimentar um baseado, eu entrei em uma crise nervosa. No entanto, lembro-me da sua risada descontrolada, mencionando foguetes de geleia e gatos intergalácticos com capacetes. Recordo do nosso primeiro porre de cerveja, com você suado, incapaz de parar de dançar, até finalmente vomitar em meu pé. Você era notoriamente suscetível às drogas. E eu? Eu era profundamente vulnerável a você.

Mesmo naquelas lágrimas que escorriam pelo seu rosto, você mantinha uma beleza incomparável. Entretanto, era a luz que irradiava do seu sorriso com covinhas que verdadeiramente me enfeitiçava. Você era não apenas o meu melhor amigo, mas a metade que completava a minha alma. E agora, sem essa metade, sinto-me como se tivesse vagado para um abismo de perdição, onde as sombras da solidão dançam ao meu redor. Elas não são tão belas quanto você.

A vida é feita de memórias. Alguns poderiam, com facilidade, me aconselhar: "Viva o presente". No entanto, como exatamente eu faria isso quando você era uma parte tão essencial do "eu" que ficou para trás?

Vejo Você no TribunalWhere stories live. Discover now