CAPÍTULO DEZENOVE

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Os pratos foram recolhidos e o assunto na mesa divergiu. Márvi, Zana e Riano conversavam sobre o trabalho. Enquanto Endro escutava calado. Às vezes se sentia observado e pegava Elina, a irmã da namorada de Riano, o encarando. Ela sempre sorria meiga e Endro sorria de volta em educação. Numa dessas olhadas encontrou com o olhar de Márvi.

Ele sorriu pequeno e voltou a conversar. Notando o clima que começava a indicar que choveria mais tarde, sentiu o coração acelerar de uma forma boa. Enquanto sua barriga era percorrida por um fio invisível e geladinho. Levou as vistas a Márvi novamente. Sorriu sem se dar conta do que acontecia. Um gritinho fino ecoou pelo lugar.

— Tio Márvi encontrou a última pessoa que a Marca escolheu para ele.

Endro levou a mão ao peito. Uma pequena parte queimava fracamente. Não tinha percebido. A Marca de Márvi também brilhava discreta, mas não passou despercebido pelas crianças que começaram com "uuuuum". Endro encolheu sobre o assento de madeira.

A sua frente na mesa, Elina o olhava desapontada e, ao mesmo tempo, feliz. Todos pararam quando Zana os repreendeu ao ver Endro se transformar em um bolinho de vergonha. Em minutos, tinham esquecido, ou ocupado suas mentes com coisas mais importantes.

Porém, Endro não. O coração ainda palpitava no peito. O medo estava presente. Márvi não parecia ter se importado, mas se preocupou ao ver o estado de Endro. Mesmo tendo voltado a conversar com seus amigos, lançava olhares constantes a ele, e sempre sorria gentil.

✷✷✷

Passava da meia-noite. Endro e Márvi pulava de portal em portal, avançando para os últimos blocos de terra no alto. A maioria dos bruxos já estava dormindo. Saiu do jantar há pouco. Elina foi conversar com Endro e o deu os parabéns, disse que Márvi era uma pessoa maravilhosa e merecia outro ser com a mesma essência que a dele.

Também disse que caso Endro ficasse solteiro algum dia, fosse vê-la. Endro ficou sem o que dizer. Não a enxergava com esses olhos. Também se preocupou, pois não sabia se queria Márvi em sua vida. Não sabia se queria ser dominado pelo amor. Pensar nisso o assombrava.

— Você está bem? — quis saber Márvi assim que chegaram na varanda coberta de plantas da pequena casa. Escorou num dos esteios.

Estar ali era agradável.

— Ahan. — Ficou de pé perto dele.

— Entrem.

Endro tomou um susto. A velha senhora de cabelos quase brancos estava na porta. Ficou tão entretido nesse lugar maravilhoso que esqueceu das dúvidas que tinha. Márvi foi o primeiro a entrar. Assim como o pedaço de terra flutuante, a casa era pequena. Tinha poucos móveis na sala.

Apenas um sofá de cinco assentos, uma poltrona na frente e quatro prateleiras quase vazias, com apenas algumas porções. A sala era geladinha por conta das plantas que também eram cultivadas dentro do cômodo. Belória moveu as mãos em círculos e criou uma barreira de som. Ela queria que a conversa ficasse ali.

— Leu o livro? — A simpatia dela acalmava um pouco Endro.

Confirmou.

— Tudo o que está escrito nele é mesmo verdade? A história sobre a Grande Guerra? Emoções desproporcionais? Duvidar de mim mesmo reprime minha magia? Então eu não lanço magia e sim bruxaria?

Ela sorriu diante da enxurrada de perguntas. Márvi, sentado no sofá, também sorria. Parecia achar fofo a curiosidade de Endro.

— Calma. Vou te responder. — Belória fez gestos com as mãos. — Sim, tudo escrito nele, embora de forma resumida, é verdade. Márvi poderá te pôr a par de tudo com mais detalhes sobre nós bruxos. Quanto melhor mentalmente você estiver, mais eficiente será sua magia. É simples, se você não acredita no que pode fazer, não o realizará por mais que tente. Sempre acredite no seu potencial! Sim, você é um bruxo, dos poderosos ainda, mais do que o nosso Márvi aqui. — Ela sorriu e apontou para ele. — Você escolhe como quer se referir, vale tanto magia quanto feitiçaria.

Passado e FeitiçariaWhere stories live. Discover now