Capítulo 3 - Uma faísca, talvez?

2 2 0
                                    

        — Como posso te chamar? — pergunto, o vapor do chá acaricia meu rosto e espanta a vergonha que me consome.

        — Como quiser, meu bem.

        Bem, isso não me ajudou muito.

        O que eu faço?

        — Ela gosta de ser chamada de Nana — Ethan reaparece, agora com uma xícara só para si.

        — Ah, ótimo! É que, quero dizer, foi um prazer imenso conhecê-los e eu agradeço muito pela ajuda, mas está ficando tarde e preciso voltar para casa. — acho que isso foi bom, né? Eu fui grosseira? Ai, meu Deus! Será que eu os ofendi?

        Logo eles que foram tão gentis comigo, mesmo eu pisando em seu gramado e usando a lavanderia como se fosse uma coisa cotidiana. E se me odiarem?

        — Oh, meu bem, está tarde mesmo. Ethan te acompanha até sua casa — a senhora acaricia a xícara com o polegar e seus óculos ficam embaçados pelo vapor do chá.

        — Ah, não! Já foram gentis demais comigo, não quero abusar.

        Mas ela insiste e eu não sei como recusar sem parecer grossa. Ethan também não parece incomodado e concorda com ela. Tudo o que eu quero é que um buraco negro abra abaixo de mim e me leve para algum lugar onde uma mãe raivosa não me espere com a língua afiada e faiscando. Ambos continuam insistindo e eu finalmente acabo cedendo.

        Antes de sair, Nana enche meu coração com uma sensação tão calorosa que meus olhos se enchem de lágrimas. Ela disse que gostaria que eu voltasse para que pudéssemos tomar chá juntas. Como pode existir uma pessoa tão doce?

        Ethan vestiu um casaco por cima do moletom e entregou a minha jaqueta. Na varanda, um gatinho preto e branco comia tranquilamente em um dos potes de ração. O céu está tingido de roxo escuro e poucas estrelas surgem detrás das nuvens maciças. A chuva está ficando cada vez mais forte. Sou pega de surpresa quando Ethan abre o guarda-chuva e me chama para acompanhá-lo com um aceno e sorriso gentil.

        — Eu quero te agradecer de novo — murmuro, esfregando as mãos numa falha tentativa de aquecê-las.

        — Tudo bem — ele está vidrado nas luzes que refletem no asfalto molhado. — Não podia deixar você na chuva com o pé sujo. Desculpa ter gritado contigo e te feito chorar.

        O quê?

        — Uh, na verdade, eu estava chorando por outra coisa — um riso envergonhado escapa.

        — Ah, certo, foi mal — o silêncio é perturbador, eu estraguei tudo de novo, não é? Eu deveria ter apenas aceitado o pedido de desculpas e ficado quieta. — Se não for muita intromissão, o que aconteceu?

        Ele é um estranho que eu provavelmente nunca mais verei na vida, então não tem problema nenhum desabafar um pouco, não é? Se bem que, justamente por esses motivos, que é bem estranho descontar todo o meu estresse nele.

        E se algum dia eu voltar aqui e acabar esbarrando nele? Vai ser tão constrangedor.

        Aaaaaaaaaaaaah!

        — Desculpa, não precisa me dizer.

        Seu tom de voz é tão grave e arrependido, parece que os meus sentimentos ruins estão infectando-o como um vírus. Droga. O meu celular não para de vibrar, se não for minha mãe ameaçando chamar a polícia, deve ser Mai avisando que a mamãe está me ameaçando chamar a droga da polícia aos berros.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: May 19, 2023 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

Kira e os ProjetosWhere stories live. Discover now