Prólogo

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Apenas um jovem com o pavio curto
Eu estava tenso, queria me soltar
Eu sonhava com coisas maiores
E queria deixar minha vida pra trás

Não alguém que fazia o que me mandavam, não era um seguidor
Entre na fila, se adeque
Sente-se no corredor, pegue sua senha
Eu era o relâmpago antes do trovão
Thunder, 2017

Sem teto, nunca pensei que ficaria sem teto por causa de um homem. Parece um pouco extremo, porém foi exatamente o que aconteceu. No último *Songkran, como todos os anos fui visitar minha família, afinal é isso que esperam dos filhos quando saem de casa. E qual não foi a minha surpresa ao chegar em casa e me deparar com um noivo e toda sua família para selar nosso noivado, tudo bem que o rapaz é lindo porém a personalidade de uma porta, meus irmãos e meu pai bajulando o pai e filho, minha mãe desesperada pedindo para eu me controlar e quanto a mim? Estava xingando e esbravejando em todas as línguas que eu conheço. No final do dia o jantar foi um vexame, a família foi embora ofendida, meus irmãos igualmente ofendidos, minha mãe ameaçando seguir o exemplo de Shiva e tomar um oceano de veneno, mas meu pai, ele estava mais que ofendido, ele estava envergonhado, humilhado, como poderia ter tido a má sorte de gerar uma filha tão ingrata e isso nem é exagero esse é seu discurso para tudo que eu faço ou deixo de fazer, que a minha desobediência um dia custaria a vida de alguém.

Mas como eu fiquei sem teto? Simples, apesar de ter ganhado uma bolsa 100% integral na Seoul National University ainda precisava arcar com moradia, transporte e alimentação e tudo isso era proveniente do meu "amoroso" pai, quando o humilhei na frente do aspirante a noivo ele simplesmente cortou toda a minha renda me deixando assim em maus lençóis. Contudo já sobrevivi a um templo caindo na minha cabeça quando criança, sobreviveria sem alguns cartões de crédito e uma banheira de hidromassagem, eu poderia até trabalhar também, isso, calculei todo meu plano de ação voltando de classe econômica para a Coreia, tudo iria correr bem. Peguei o primeiro voo mesmo com todos os pedidos de minha mãe para não sair sem antes fazer as pazes, conhecendo bem meu oponente sei que a decisão melhor é recuar, lhe dar espaço, ele não iria ceder e eu também não tinha a menor vontade de lhe bajular tal como meus irmãos mais velhos faziam. Eles ganhavam tudo assim, primeiramente por serem homens e também por sempre colocar os planos do nosso pai acima de tudo. até mesmo suas esposas foi nosso pai que escolheu, suas profissões os nomes dos filhos, sinceramente, acho que nasci na família errada.

Minha nova moradia agora é um apartamento universitário compartilhado, até que é bem legal, limpo e organizado, as paredes são um lilás bem claro, os móveis são em tons pastéis, o sofá bege o rack e mesinha de centro brancos, a cozinha é minúscula e segue a mesma linha, armário brancos, balcão estilo americano com banquetas altas, tudo otimizado, geladeira, fogão lava louças. A casa possui três quartos, vi a vaga no mural da faculdade, já havia feito algumas disciplinas complementares com uma delas então já tínhamos mais um ponto em comum, além de é claro, sermos estrangeiras. Hadassah e Talassa, as gêmeas greco-hebraicas apaixonadas pela Coreia do Sul e pelo boygroup mais famoso do país, até quem não é muito ligado a isso sabe quem eles são, uma verdadeira febre mundial, vai entender. elas são idênticas fisicamente, porém as semelhanças acabam aí, Hadassah é calma e metódica, leitora voraz e uma das melhores guias da cidade. Talassa é agitada e colorida, fala pelos cotovelos e muito sociável, uma ótima professora de tênis apesar de estar se graduando em Entretenimento & Midia. Elas foram receptivas e prestativas me ajudaram até a vender a minha antiga mobília já que não tinha espaço no meu novo quarto.

O emprego seria algo mais delicado, com o dinheiro que arrecadei com a venda da mobília e a troca do carro pela motocicleta conseguiria viver razoável por uns dois meses. Não sou formada ainda, então não posso exercer a profissão, lembro que na academia que frequento estavam precisando de professores de boxe, o treinador estava alugando mais salas e contratando mais instrutores, não que eu seja um *kru, tô bem mais para atleta não praticante,porém com a vantagem de ter aprendido o boxe tailandês no berço, digamos que eu era uma menina fora do convencional, para total desespero da minha mãe.
Quando mencionei que gostaria de me juntar a equipe fui muito bem recebida, o treinador e os outros dois instrutores foram bem receptivos e o fato de eu ser mulher em um esporte totalmente machista e masculino pareceu não importar, quando estava saindo passei em outro Studio, esse agora de dança, o prédio inteiro parecia ser de academias, centros de treinamento, artes marcias e dança, dos mais diferentes tipos. Vi que nesse Studio precisava de uma professora de dança pop, não poderia ser difícil, me candidatei a vaga, fiz o teste e saí de lá com a promessa de que iriam entrar em contato, na falta de um emprego eu tinha basicamente dois.

Dois dias depois do teste o Studio de dança me chamou, a vaga era minha, agora precisava apenas aprender a dançar pop para ensinar, fiz um apanhado das músicas que mais tocava, assisti algumas aulas para aprender a lidar com as alunas, uma semana depois parecia que eu fazia isso a anos, logicamente que todas as minhas turmas eram iniciantes. Quanto a academia de boxe, eram aulas personalizadas, apenas um instrutor por aluno e tudo com horário marcado, funcionava muito bem assim, tinha alguns alunos celebridades literalmente, (não me foi designado nenhum) e outros muito, muito ricos que queriam total atenção, tinha também alguns atletas que competiam, mas esses eram apenas o treinador que praticava com eles.
Nas semanas seguintes consegui alinhar minha rotina, casa, Studio, aulas de boxe e a faculdade, certo que não tinha mais tempo e grana para virar noites em Itaewon, porém era divertido estar com as gêmeas e vê elas pirando por idols, mas definitivamente não era a minha praia, apesar de eles serem absurdamente lindos e engraçados, o que sem dúvida é meu ponto fraco quando o assunto é garotos, mas não, ficaria admirando todo aquele caos da borda.

Quando Talassa entrou no apartamento gritando e balançando três entradas para o Festival de Jazz de Seoul eu realmente fiquei bem confusa, parecia ter entrado em uma realidade paralela já que, elas falavam apenas de idols de kpop, porém não reclamei, estava muito tempo sem fazer uma programação diferente, meus antigos colegas de festa sumiram sem deixar rastros, claro que fiquei um pouco chateada afinal pensei que independente de dinheiro teria algum apoio, mas qual foi a minha surpresa em perceber que não, pelo contrário, recebi apoio de garotas que conheci a pouco tempo.
No dia seguinte, fomos ao tal festival, tinha algo a mais, meu sexto sentido estava me dizendo, não era possível que a empolgação daquelas duas fosse apenas pelo Jazz ao ar livre e a cerveja em copos descartáveis. Levamos toalhas e almofadas para sentar, compramos alguns aperitivos, água e cerveja. Ficamos em um lugar ok, tinha uma boa sobra e uma vista ruim do palco,realmente me diverti com as gêmeas, até o momento em que elas souberam de um boato que um dos membros do tal grupo estava no festival, então resolveram andar casualmente entre o público para talvez, (palavras delas) casualmente embarcarem nele. Talvez elas estivessem assistindo muitos dramas, porém não fiz nada pra impedir, continue aproveitando o evento, afinal eu tinha sombra e cerveja. estava cantando e dançando sozinha quando um barulho muito forte me assustou e acabei me desequilibrando, tropeçando e derramando parte da minha cerveja no cara que estava atrás de mim. Comecei a me desculpar, então senti a cerveja gelada na minha barriga, ele jogou cerveja em mim? Sério mesmo? Eu estava pedindo desculpas..

-Omo, omo, omo - começa a repetir, os olhos redondos estão arregalados embaixo do boné - foi sem querer, me desculpe, acabaram de esbarrar em mim....

Não dei tempo pra ele inventar outra desculpa, terminei de derramar o resto da bebida do meu copo que infelizmente era pouca no seus pés e sorri, ele me olhou furioso, seus olhos apertados e os lábios em um bico de birra, ele tinha um piercing na boca e alguns na orelha, era alto e magro, tinha pequenas tatuagens na mão e algumas escapavam pela manga da camisa, tive a estranha sensação de já ter visto aquela mão antes, então caiu a ficha, esse era um dos idols que as gêmeas tanto falavam e estavam procurando, apesar de ser lindo não era pra tanta histeria.

Songkran - ano novo tailandês que é celebrado no mês de abril

Kru - Mestre, professor de boxe tailandês

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