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Acordo com o barulho do sinal. Minha bochecha esquerda está dormente e provavelmente vermelha, já que dormi por cima dela. Confiro se não deixei nenhuma mancha de saliva na carteira assim que a Sra. Leach acende as luzes. Não faço a menor ideia do que possa ser o dever de casa sobre o qual ela fala agora. Pego minha mochila e saio do prédio pela parte posterior.

As portas de vidro fecham atrás de mim e o ar gélido me cerca. A escola fica numa área mais elevada que a estrada e da maior parte das coisas da redondeza. Ando por um caminho de pedras em meio a grama, observando a vastidão do mar no horizonte, estendendo-se até a base da cadeia de montanhas da ilha Texada. É estranho não haver nenhum sinal de neve no topo ainda, é provável que o inverno seja mais ameno do que de costume.

Esse é mais um dos rótulos canadenses que não se encaixam neste lugar. O resto do mundo imagina que moramos em iglus, ou que vivemos abaixo do gelo durante todo o ano, mas em cidades litorâneas como Powell River, nevascas só eram vistas numa média de cinco ou seis anos.

Há uma escadaria que leva a uma pequena coberta na metade do morro onde fora construída a escola, idealizada para ser abrigo de chuva, mas que acabou se tornando área de fumantes. Passo direto por lá. O lugar está sempre cheio de estudantes chineses. Sempre. Se Agatha visse o quanto aqueles caras fumavam, não implicaria tanto comigo.

Continuo seguindo em frente, com o vento frio soprando meu cabelo e o capuz do meu moletom, até que não cruze com nenhum outro aluno em seu caminho para o segundo horário.

Paro quando escuto o barulho vindo da pista de atletismo. Viro à esquerda, indo até uma área de pinheiros selvagens, onde o som dos corredores, ou dos carros que passam periodicamente pela estrada é quase inaudível.

Sento em um tronco caído, coberto de musgo, torcendo para que a umidade não seja suficiente para manchar a minha calça. Tiro um cigarro da carteira que trago no bolso e o acendo, girando o isqueiro entre os dedos depois disso.

Ouço um farfalhar nos galhos acima de mim, um ruído fofo, e em seguida, Dave está ali, com todos os membros apoiados na terra molhada, me encarando, alerta.

Me concentro na sensação da fumaça entrando e saindo dos meus pulmões, tentando ignorar a imagem dele. Contudo, a maneira com a qual ele me olha é incômoda o suficiente para me irritar.

Dave não fala. Tirei isso dele há alguns anos. Antes disso, era um verdadeiro inferno. Sempre gritando dentro da minha cabeça, dizendo coisas absurdas e obscenas demais para uma criança. Moira costumava me bater quando eu usava um novo palavrão que Dave havia me ensinado e com bastante frequência ficava de castigo na escola, devido a minha boca suja.

Ainda não sei exatamente como, mas enquanto crescia e passei a ignorá-lo, aprendi a calar a sua voz. Não a escuto a não ser que eu lhe dê espaço, o que não vou fazer de maneira alguma. Dave tem um grande poder sobre a minha mente. Domínio das minhas lembranças, imaginação, desejos e sentimentos, mas ao menos nesse ponto, eu estou no comando.

Não sei se é uma grande vantagem.

Jogo a ponta do cigarro no solo úmido, certo de que não haverá nenhum incêndio. À distância, a escola está quieta e os arredores quase desertos, sinais de que a aula já havia começado há um bom tempo. Mesmo sabendo que preciso me apressar, que preciso elaborar uma desculpa para entrar na sala, assim como todo mundo, não há nenhum gatilho que me faça acelerar o passo. Não me importo com as aulas, com o sermão dos professores, com as médias e notas no fim do ano. Na verdade, não sei se existe muita coisa com a qual eu me preocupe.

***

Vejo Agatha no corredor durante o intervalo do almoço. Ela caminha à frente, olhando ao redor. Carrega a mochila no ombro, livros debaixo do braço esquerdo e o almoço empacotado nas mãos. Alcanço-a já no refeitório, sentando-se junto à mesa mais afastada, como sempre fazemos.

O Sussurro do VentoWhere stories live. Discover now