XXVIII - Ares estranhos

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Sete dias se passaram e Urd finalmente pôde voltar para cima, queria agora uma desculpa para voltar para casa e confrontar os pais sobre a verdade, também para ver Dalibor – de quem sentia tanta falta –, e esperava verdadeiramente não ver Raykk. Gawain estava mal-humorado e exibia sua nova personalidade ácida e pouco amigável aos quatro ventos, evitando até mesmo olhá-la nos olhos.

Naquela manhã estavam os dois na mesma sala privativa de dias anteriores, dias onde Urd acreditou verdadeiramente que podia se apaixonar por outra pessoa, percebendo depois que isso aconteceria só em outra vida. Mas havia um odor preternatural no ar, azedo e rançoso, como se o mau-presságio pairasse sobre suas cabeças. E ele vinha do príncipe bastardo, como se um mal estivesse ao redor dele, um mal que poderia possuí-lo a qualquer momento.

— Você está bem? — Urd tentou, enfiando uma colher de salada de frutas na boca.

Gawain piscou muitas vezes, tomando um gole de chá de modo afetado.

— Uhum.

— Você não parece bem.

— Estou preocupado.

— Algo específico?

— Tirando o fato de que minha noiva quase morreu em atentado destinado a mim? E que minha própria irmã me considera um bastardo de merda? Bom, há as acusações de assassinato e a pressão da família de Amis e dos soldados que morreram no bombardeio.

Urd se curvou e segurou a mão dele que estava sobre a mesa, afagando-a carinhosamente.

— Foram muitos?

— Cinquenta e cinco.

— Eu sinto muito, sinto muito que esteja passando por isso, e sinto muito por não dizer nada sobre Gaye naquele momento.

Gawain puxou sua mão para perto da borda da mesa, amassando a toalha entre os dedos, seus olhos incandesciam, e Urd não sabia dizer se era o derramar do sol nas íris esverdeadas ou a ira natural de um homem com sede de vingança.

— Você estava ferida e Gaye tem todo esse poder sobre as pessoas, o poder de fazê-las fazer o que ela quiser.

— Eu sei mas-

Gawain a interrompeu com uma risada seca, sem humor.

— Olhe só para você, eu quem deveria estar lhe confortando neste momento, depois de tudo o que aconteceu.

— Não precisa assumir a responsabilidade sobre isto — Urd engoliu em seco, desviando o olhar, sentindo o peito inchar e doer com a brasa lançada inesperadamente em seu coração.

— É apenas a verdade, eu não deveria tê-la colocado no meio disso.

— Gawain, sério, eu-

— Eu sei o que vai dizer, mas não faça isso, sei que a amava e que nada que eu fizer pode preencher o vazio que irá lhe corroer pelo resto de sua vida — ele encarou-a intensamente. — Eu vi como ela estava, vi como você estava, e ver a mulher que amo naquela situação me doeu como as brasas do fogo eterno.

Urd não pôde impedir as sobrancelhas de subirem com a surpresa das palavras, e Gawain pareceu notar, pois pigarreou e limpou a boca com o guardanapo, se levantando.

— Por favor não diga nada, foi apenas um erro.

— Tem certeza que não quer falar sobre isso?

— Por favor, não nos obriguemos a isto.

Urd aceitou sua mão estendida e se levantou, sentindo como o toque dele parecia ter ganho um calor inexplicável de repente. Eles ficaram em silêncio até a saída, seus ferimentos estavam bem menos doloridos, mas ao olhar pelas janelas e ver as bandeiras negras pintando a paisagem de Rosefall, a sensação foi a de que elas tivessem se reaberto. Ela havia falhado em proteger Madd, havia falhado pura e totalmente, ela jamais se perdoaria, nem mesmo se sua vida perdurasse por séculos o tempo seria o suficiente para que o peso amenizasse.

De Trevas e Sangue  [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now