Vagalumes Cegos - lightcannon

[🦗] O céu engarrafado

Por ali já havia muito movimento, todos ocupados, montando barracas, arrastando caixas, uma Lux com seus 12 anos de idade recém completos corria atrás dos adultos sem saber quem ajudar primeiro, a intenção era boa, mas a coitada era mais atrapalhada do que qualquer coisa, tiveram de pedir que ficasse quietinha. Ela assistiu os jovens pendurarem as bandeiras e bateu palminhas quando terminaram, um rapaz de cabelos louros, assim como os dela, desceu da escada que outro moço segurava e estendeu a mão para que a garota batesse, ela o fez com um grande sorriso, enchendo as bochechas decoradas com pintinhas, comemorando o trabalho cumprido com entusiasmo. Ele a agarrou e estendeu o corpinho leve no alto fazendo-a soltar gargalhadas enquanto as chiquinhas de seus cabelos, presos em laços de cetim amarelo dançavam no ar.

Jinx assistia de longe a diversão dos Stemmaguarda, de lá, os risos intensos daquela mocinha eram suaves e quase se misturavam com o som imperceptível do vento e do ranger das correntes do balanço que empurrava com os pezinhos miúdos.

Ela bufou, aborrecida pela irmã tê-la trazido tão cedo e culpando-a por ainda não ter voltado.

Como se tivesse sido trazida pela vibração dos seus pensamentos, Violet apareceu saindo de trás da igreja velha que ficava bem no meio da pracinha, de braços dados com aquela menina mesquinha que todos sabiam o nome, os cabelos escuros, quase azuis, e os olhos claros como o oceano, ela era elegante, parecia bem mais moça do que Vi, mesmo sendo só uma primavera mais velha, veio andando e rindo toda alegre e pomposa à caráter com seu vestido de retalhos todo azul, mangas cheias, babados, o aventalzinho branco amarrado na cintura, as trancinhas caindo sobre os ombros e um chapéu de palha no topo da cabeça.

A criança no balanço resmungou baixinho para si mesma ao constatar que era óbvio que Caitlyn Kiramman seria o motivo daquele atraso. A sombra da irmã pairou bem diante de si, e ela estendeu o braço, parcialmente coberto pela manga da camisa xadrez, oferecendo a ela a maçã do amor que veio carregando. A mais nova pegou e mordeu, ainda com a cara emburrada.

-Ei, oque foi?- Perguntou a mais velha com ares de preocupação.

-Você disse que ia ser rapidinho, eu fiquei aqui sozinha!

-Desculpa Powpow ,eu acabei perdendo a noção do tempo.

Jinx franziu o cenho ainda mais, e lançou o olhar mais intimidador que pode em direção a herdeira dos Kiramman.

- Não achei que ela fosse aparecer.

Falou firme, antes de voltar a morder a maçã.

-Meu primo convenceu a minha mãe, com a condição que eu não saísse de perto dele é claro, mas eu acabei perdendo-o de vista, certeza que foi ficar de namorico.

- Ele está bem ali...

Violet apontou o rapaz, assistindo a bandinha afinar os instrumentos no coreto, mas os olhos de Jinx alcançaram a pequena de cabelos dourados logo atrás, brincando com um triângulo reluzente enquanto uma jovem ruiva, com um olhar penetrante tentava instruí-la a tocar do jeito certo.

- Com a Katarina, como eu suspeitava.

Caitlyn comentou, e riu antes de completar com:

- Eu gosto dela, uma boa moça, vou ali dizer um "olá", me acompanha?

A senhorita de camisa rosa xadrez acenou com a cabeça concordando.

-Vem Powpow.

A caçula pulou do balanço com desânimo, seguindo as mocinhas.

A namorada de Garen tinha dezesseis, um ano mais velha que Cait, mas ainda assim eram colegas de classe e tinham sempre muito assunto.

Logo os mais velhos se perderam na conversa, fofocas sobre pessoas que as menininhas conheciam só por nome.

Luxanna se sentou ao lado da criança dona das longas trancinhas azuis, sentindo um arrepio com a brisa fria do fim de tarde, os ombros roçando nos dela.

Assistiu as pessoas chegando, os adultos com criancinhas pequenas, os colegas de turma para quem acenou alegre mas não foi cumprimentar, não queria sair dali de perto do irmão e da bandinha.

O cheiro da comida encheu suas narinas, logo não pode evitar, sorriu pra Jinx com a doçura de um anjinho.

-Vamos ver o que tem na quermesse?

Ela aceitou, tentando não parecer dar tanta importância, se recusava a parecer alegre quando a irmã a trocava outra vez por conversas frívolas. Luxanna sorriu ainda mais largo e tomou aquela mãozinha fria, envolvendo o pulso esguio entre os dedos.

As duas desceram do coreto, adentraram o extenso corredor de barraquinhas coloridas.

A loirinha saltitava estendendo o braço livre em direção aos balõezinhos pendurados nos pedaços de madeira que sustentavam as lonas verdes, vermelhas e amarelas, atravessadas pela luz alaranjada do início crepúsculo, fantasiando atravessar o interior de um arco-íris.

Jinx olhou quando ela pousou desajeitada, quase tropeçando, os panos do vestido rosado balançando suave e aquela iluminação tão única sobre ela como um espelho atraindo só pra si os últimos raios de sol do dia.

Quando chegaram no final do corredor ambos os pares de mãos já estavam cheios de doces, elas andaram até o escorrega e se sentaram bem em baixo, de lá podiam ver os jovens de costas, Jinx reconheceu uma colega da irmã, Seraphine, da nona série subiu no coreto com uma sanfona pendurada no pescoço e parou bem na frente do microfone.

Todos que não eram da banda desceram, em alguns minutos Violet e Caitlyn estavam do outro lado da praça, brincando de acertar a boca do palhaço ou algo assim, como as garotas presumiram.

O violão de Garen chegou até as garotinhas de baixo do escorrega no instante em que Luxanna encarou Jinx com um falso olhar de repreensão quando aquela baixinha enfiou a mão no seu saco de pipoca.

A voz de Serafine ecoou suave como a calmaria do fim de tarde quando ela disse:

"Nem sei,

Dessa gente toda...

Lux encarou a expressão indecifrável da menina a sua frente.

"Essa pressa tanta..."

Os olhos de Jinx brilharam como se libertassem milhões de galáxias, extasiada por aquela melodia.

"elefantes brancos...

vagalumes cegos...

e o céu engarrafado..."

Quando o refrão começou elas já estavam de pé, em frente ao coreto, balançando sem jeito, de mão dadas, rodopiando com as batidas de seus corações entrando no compasso daquela sanfoninha.

"Fica por aqui..."

Foi o fim das pessoas que elas costumavam ser, ninguém consegue ser o mesmo depois de uma dança ao som da sanfona da Seraphine.

"Pra cuidar de mim..."

A lua cheia, as chamas vermelhas na fogueira e as luzes da praça quebraram a escuridão intensa daquela noite, foi assim que um pontinho luminoso fez-se enxergar rasgando o céu como um fogo de artifício que se apagou antes de explodir, e Jinx fechou os olhos depressa torcendo pra que ainda houvesse algum tempo pra desejar que aquele sentimento morasse no seu coração pra sempre.

"E essa luz comprida, ficou tão bonita com você aqui..."

Todas as coisas nas memórias daquela noite brilham.