Capítulo 1: Parte I

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Hongjoong chega em casa e o encontra ocupando aquele canto do sofá novamente, o rosto enterrado nas almofadas e os membros espalhados pelas bordas. A música que resoa de seus fones de ouvido se vê estrondosa no aperto suave do silêncio, e a subida e descida constantes de suas costas dificilmente são discerníveis sob a escuridão. Sua mochila envelhecida descanda meio aberta no carpete, uma saudação desleixada.

Hongjoong a chuta ao lado da sapateira e pergunta:

- Como você invadiu minha casa?

- Quem disse que eu invadi? - a voz de Seonghwa se faz presente, abafada e monótona. A TV ligada no mudo ao seu lado. Sombras preenchem a curva preguiçosa de seus lábios enquanto se levanta, inclinando o queixo em direção a uma chave na mesa.

- Eu não te dei essa chave.

- Estava debaixo do vaso de planta no jardim - diz ele.

- Ladrão - retruca.

- Você não deixou ali para que eu possa encontrar? - pergunta, o rosto contorcido com a alegria de estar certo, e Hongjoong acena sua perda.

Como regra, Seonghwa sempre ganha todas as suas mini discussões. Mas só porque Hongjoong está cansado demais para refutar com argumentos do qual ainda não tem.

Dando de ombros, ele se dirige à cozinha para preparar uma bebida. Seonghwa havia ido até a janela no momento em que Hongjoong retorna, onde está relaxado esfregando o sono de seu rosto e coçando distraidamente seu estômago. Seul brilha sob o reflexo de seus olhos, a suspensa paisagem urbana neles cintila como gotas de tinta momentos antes de atingirem a tela.

Hongjoong aparece no parapeito da janela, toma um gole de sua bebida e observa Seonghwa respirar.

Não falam por um longo tempo, e então o maior finalmente pergunta, depois que Hongjoong está quase terminando seu uísque.

- Então, sentiu minha falta?

- Claro que senti.

Seonghwa pega o copo de suas mãos e toma um gole, os olhos passeando por seu rosto.

- Uau. É moda beber xixi de gato agora?

- Isso é uísque vintage, seu ignorante.

Seonghwa lhe encara com meio sorriso nos lábios.

- E por acaso você me perguntou se eu gosto do seu "uísque vintage".

- Ninguém te obrigou a tomar - diz, estendendo a mão na tentativa de ter seu copo de volta.

Seonghwa move o braço para cima de modo que esteja fora de alcance e Hongjoong não cede, inclinando-se para frente na tentativa de agarrá-lo.

Ele falha a princípio, é claro, porque este é Seonghwa, este é alguém contra quem ele nunca venceria, mas então registra o calor do peito contrário contra o seu, a proximidade de seus rostos, o nariz contrário roçando lentamente no seu e perde totalmente os sentidos. Pela primeira vez depois de muito tempo Seonghwa não era só uma voz desencarnada do outro lado da linha, ali, bem a sua frente, ele era carne, ossos e risadas abruptas. Tudo isso o atinge com força como um soco na boca do estômago. Sua respiração para quando tropeça para frente.

Sente como se voasse fora de sincronia.

Seonghwa o segura pelo ombro e Hongjoong o encara, inesperadamente sem fôlego.

Apenas Seonghwa ainda está rindo, ansioso e entusiasmado, pronto para continuar a lhe zoar. Hongjoong sente um caroço fantasma crescendo em sua garganta.

Com a voz um pouco mais alta, Seonghwa diz:

- A meu ver, essa bebida encorpada com suas camadas de turfa deve ser o resultado de marinar todas as suas meias velhas em uma grande banheira de....

- Se continuar enrugando o nariz assim, vai acabar com mais linhas no rosto do que o mapa do metrô de Berlim. - Hongjoong murmura, mudando o assunto abruptamente quando finalmente conseguiu resgatar sua bebida. Seu corpo de repente parece estranho, como uma camiseta vestida ao contrário, a textura familiar mas com as costuras nítidas e desfiadas.

Com isso, Seonghwa cai na gargalhada. Ombros sacudindo, o corpo todo tremendo. Hongjoong não faz ideia do que tanto achou graça, mesmo que esteja refletindo o mesmo sorriso no próprio rosto.

Dá outro gole e se endireita, virando-se para olhar pela janela. Seonghwa se posiciona ao seu lado, apoiando a cabeça em seu ombro. O peso lhe atinge como um golpe nostálgico.

Chegam tão perto que Hongjoong pode senti-lo distintamente respirando em seu ouvido, cheirando a álcool. Finge não se importar por mais que o faça. Faz tanto tempo. Talvez possa ter sido culpa dele. Talvez não tenha o direito de sentir raiva. Talvez possa ser corrigida, mais uma vez, essa lacuna crescente entre eles.

Nenhum dos dois está rindo mais. Considera que porventura queira beijar Seonghwa; apenas um pequeno selar. Considera o beijar como um soco nos lábios. E está quase lá quando vê Seonghwa se remexer e retribuir tal anseio através de suas orbes, como se pudesse ler sua alma a olho nu.

Não perde tempo quando os dedos de Hongjoong criam seu próprio caminho até o queixo alheio. Este encurta a outra metade da distância em um piscar de olhos, seus lábios são um gatilho do qual Hongjoong não se afasta. Finalmente se tocam, tentativamente, apenas um roçar de pele contra pele, antes de Seonghwa se inclinar e Hongjoong inalar e...

E então ele se lembra. Lembra de um monte de coisa ao mesmo tempo: o brilho do saguão do hotel, o sorriso da mulher, sua voz arredondada ao telefone. Vagamente um chute frio em suas entranhas, e ele se afasta.

- Eu...preciso acordar cedo amanhã.

Seonghwa agora já se vê completamente afastado.

- Vou dormir...se importa se eu ficar na cama? - pergunta.

- Não, não, vá descansar - diz Hongjoong. 

Isso não foi o que quis dizer. Deveria ter dito que pare. Que ele quer que Seonghwa pare com isso. Mas há milhares de palavras em sua cabeça e essa combinação já havia se perdido.

Metade dele pensa que deveria tentar novamente, exceto que a outra metade percebe que Seonghwa já está muito longe.

Minutos depois seu telefone começa a vibrar no bolso. Uma ligação. Olha para o banheiro, para o contorno da silhueta de Seonghwa no espelho, e ignora.

𝐀𝐁𝐘𝐒𝐒 | seongjoongOnde histórias criam vida. Descubra agora