Visita

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Mickey tinha dificuldade em encarar a realidade em que se encontrava.

Encarando o teto da cela, seus pensamentos oscilavam entre a dor na perna e no medo em encarar o mundo lá fora com a possibilidade de ter sido arrancado do armário.

Não se lembrava muito do momento do tiro, ou daquele dia em específico, apenas se lembrava de que a sua motivação havia sido ameaçar Kash a fim de evitar que este o dedurasse para a comunidade.

Kash era um bundão, fato, mas o ódio em seu olhar naquele dia era inédito. Mickey não sabia do que ele seria capaz para se vingar dele ou de Ian.

Ah, Ian...

Era apenas um garoto, e já precisava ter de lidar com um relacionamento daqueles, se é que poderia ser chamado de relacionamento.

Ian era precioso demais para Kash, ou qualquer outro cara que tentasse chegar perto dele.

Por isso Mickey nunca tentou chegar nele em todos aqueles anos.

O Gallagher já instigava olhares curiosos do Milkovich mesmo antes deste ter sido detido pela primeira vez no centro juvenil, mas Mickey nunca teve um motivo plausível para se aproximar dele.

Mickey ensaiava chama-lo para brincar quando eram crianças, pré-adolescente queria chamá-lo para jogar baseball na rua, no ensino médio ensaiou convida-lo para a roda de amigos e então foi preso antes de conseguir efetuar a oferta.

Apesar de não ter dificuldade em fazer amizades, Mickey não achava que Ian aceitaria um convite desses.

Mesmo crianças, as diferenças entre eles eram palpáveis.

Ian era estudioso.
Mickey não prestava atenção na aula.
Ian era inteligente.
Mickey nunca tirava notas acima de C-.
Ian era arrumado.
Mickey nem penteava os cabelos.
Ian era cheiroso.
Mickey odiava tomar banho.
Ian era educado.
Mickey mandava até os professores tomarem no cu.

Nunca estudaram na mesma classe, mas isso não impedia que Mickey prestasse atenção no ruivo.

Mickey odiava todo mundo, mas por algum motivo que não sabia decifrar, sua cabecinha adolescente não conseguia odia-lo.

Todas as qualidades que enxergava no outro o fazia ter certeza de que o garoto jamais se uniria a ele em qualquer atividade que fosse.

A primeira vez em que foi detido pegou-o de surpresa, afastando-o da sociedade por pouco mais de 2 meses, depois disso largou a escola e via Ian com uma frequência menor do que gostaria.

Mas graças a detenção que entendeu o que era aquele sentimento que se instalava na boca do estômago toda vez que Ian o cumprimentava de volta quando eventualmente se encontravam por aí.

Queria senti-lo mais, mas ao mesmo tempo, tinha terror em imaginar sendo descoberto por sua família.

Era esse sentimento que estava tendo no momento em que aguardava as visitas, se é que teria alguém para vê-lo.

Quando Ian o correspondeu, ao contrário de alívio e excitação, sentiu medo.

Era a primeira vez que se relacionava com outro homem fora das celas, o perigo em ser descoberto era gigante.

Estar com Ian era magnífico, mas o medo no resto do tempo o fazia questionar o custo- benefício dos encontros escondidos.

Mas Ian era como uma droga quê Mickey não conseguia largar.

Ali estava ele com uma bala em sua perna e o coração despedaçado pelo garoto.

Apesar das dores físicas e emocionais, Mickey não podia dizer que estava surpreso, pois alegria na casa dos Milkovich nunca durava muito tempo. Tudo de bom que ele e seus primos conquistavam, era logo tirado de certa forma.

Do seu pai criminoso e agressivo aos tios alcoólatras e abusivos, tudo que era dado era tirado. A unica constancia na vida de Mickey era que a desgraça logo o atingiria.

Inclusive fora essa o pensamento que o atingiu quando o guarda o avisa que havia alguém para visita-lo.

Esperou do fundo do coração que fosse Mandy. Estava com saudades da irmã, mas sabia que era impossível, na última vez em que fora solto, Mandy passou duas horas reclamando das inspeções íntimas que os guardas faziam e o advertiu que jamais o visitaria novamente.

Quando avistou Ian do outro lado do vidro, entretanto, não se surpreendeu tanto, afinal, até colocar dinheiro em sua conta o garoto colocou.

Mas Mickey não queria ver Ian.

Seu estômago doía ao ver Ian.

Ian não havia feito nada de errado, mas estar com Ian já havia lhe causado  problemas o suficiente.

Estava de mau humor, mas o agradeceu pelo dinheiro.

– Eu sinto sua falta.

E lá estava o Ian que Mickey adorava. Como poderia odia-lo? Deixar de vê-lo? Como poderia o garoto claramente areia demais para seu pequeno caminhão sentir falta de um ser humano tão asqueroso?

–  Diga isso de novo e eu arranco a língua de sua boca. - O mau humor não havia passado.

E o sorriso estava lá, no canto da boca de Ian, praticamente convidando Mickey para algo, e tomara Deus que não fosse um beijo. Mickey não beijava.

A mão no vidro também foi advertida. Seria um desastre se alguém visse qualquer demonstração de afeto entre os dois. Não bastava ter que entrar em brigas pelos cigarros ou pela gelatina de sobremesa, agora teria de bater em qualquer cara que o ofendesse de bixa.

–  Então a gente se vê só depois do verão? – Ian disse com leve tristeza na voz.

–  É, talvez sim. Não sei se adianta sair antes.

– Ia ser legal, Mandy também sente sua falta, a gente poderia usar a piscina juntos.

–  Como uma família de comercial de refrigerante Diet? Não, obrigada. 

–  A minha família não parece em nada com as de comercial e a gente usa a piscina.

Mickey ficou em silêncio. Por tanto tempo fora privado de coisas boas, que se esquecera de que poderia aproveitar as coisas boas do verão sem ser uma pessoa tão privilegiada assim. Os Gallagher aproveitavam, por que os Milkovich não poderiam?

Mickey não teve chance de responder a Ian pois a visita acabara. Mal teve tempo de pedir que Ian levasse um último recado para Mandy.

Ainda com dor na perna, deitou-se em sua cama pensando nas palavras de Ian. Ele sentia falta, ele queria aproveitar o verão, ele queria ser feliz ao lado de Mickey.

Foi então que Mickey pegou papel e lápis destinado a escrever cartas para começar a listar tudo que poderia fazer para diminuir sua pena. Estava certo de que sairia mais cedo para o verão e usar a piscina também.

Mickey também sentia falta de Ian, apenas não falaria aquilo em voz alta tão cedo.

Gallavich Before The StormWhere stories live. Discover now