Herança

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Eu voltai!  

Já estava com saudades de vocês.

Um carro quase me atropelou quando eu atravessava a rua praticamente flutuando, depois de sair atordoada do escritório do advogado. Passei todos esses anos me esforçando para não pensar nela. Agora, era só nela em que conseguia pensar.

Charlotte!

Ai, meu Deus,

Charlotte!

Lampejos invadiam minha cabeça; o cabelo loiro escuro, a risada, o som de sua voz, a profunda tristeza e a decepção em seus lindos olhos na última vez que a vi, nove anos atrás.

Eu não deveria ver Charlotte nunca mais, muito menos compartilhar uma casa com ela. Morar com Charlotte Austin não era uma opção, nem mesmo que só por um verão. Bom, provavelmente não havia a menor chance de ela aceitar dividir uma casa comigo. Porém, ela gostando ou não, a casa de praia no litoral de pattaya agora era nossa. Não minha. Não dela. Nossa. Meio a meio.

Onde vovó estava com a cabeça?

Sempre soube que ela gostava muito da Charlotte, mas jamais poderia prever a extensão de sua generosidade. Ela não era nossa parente, mas ela sempre a considerou como uma neta.

Peguei o celular e procurei Sun na lista de contatos. Quando ele atendeu, deixei escapar um suspiro aliviado.

|| chamada on ||

- Onde você está?

- Alô bixa, tô indo tomar café. Por que?

Aí amigo, pode me encontrar?Preciso muito conversar com alguém.

- Está tudo bem?

Minha cabeça se esvaziou antes de voltar lentamente a ser preenchida com pensamentos fragmentados e a imagem de Charlotte. Senti um aperto no peito, ela me odiava. Eu havia a evitado por muito tempo, mas agora teria que encará-la.

A voz de Sun interrompeu meus devaneios.

- Engfa? Está me ouvindo?

- Sim. Está tudo bem. Alias onde é que você está mesmo?

- Me encontra no shopping, aí comemos e conversamos

- Tudo bem, chego em dez minutos...

|| Chamada off||

Sun era um amigo recente e sabia pouco sobre minha infância e adolescência. Lecionavamos em uma escola em Bangkok e eu estava de folga para encontrar o advogado da minha avó.

O cheiro de cominho e hortelã seca saturava o ar no interior do restaurante fast-food. Sun acenou para mim de uma mesa de canto, munida de uma embalagem descartável cheia de kebab de frango e arroz.

- Não vai comer nada? - perguntou ele, com a boca cheia e um pouco de molho de iogurte cobrindo parte de seus lábios.

- Não. Não estou com fome. Talvez eu leve alguma coisa para viagem quando a gente for embora. Só preciso conversar.

- O que houve?

Minha garganta estava seca.- Na verdade, preciso beber alguma coisa antes.

A sala parecia girar quando me dirigi ao refrigerador ao lado do balcão.

Depois de comprar uma garrafa de água, voltei à mesa, sentei e suspirei profundamente.

- Acabei de receber noticias bem malucas no escritório de um advogado

- Sei.

- Você sabe que fui até la porque minha avó faleceu há um mês

- Sim.

- Bom, me encontrei com o advogado que me informou sobre os bens que ela deixou. Descobri que fiquei com as jóias.. e com metade da casa de veraneio em pattaya, no litoral...- Que? Aquela casa linda da foto que fica em cima da sua mesa?

- Sim, essa mesma, sempre íamos para lá no verão quando eu era mais nova, mas, nos últimos anos, minha avó tinha alugado a casa, a propriedade está na família há gerações. É velha, mas muito bonita e fica de frente para o mar.

- Engfa, isso é ótimo. Então, porque você está tão aborrecida?

- Bom, ela deixou a outra metade para uma mulher chamada Charlotte  Austin.

- Quem é essa? -

A ÚNICA pessoa que eu amei!

- É uma garota com quem cresci. Minha avó cuidava dela quando os pais iam trabalhar. A casa da minha avó ficava justamente entre a da Charlotte e a minha.

- Tipo uma irmã, então? -

Ate parece!

- Fomos próximas por muitos anos.

- Pela cara que você fez agora, acho que alguma coisa mudou.

- É isso aí.

- O que aconteceu?

- Eu não podia repetir toda a história. Já havia absorvido coisa demais por um dia. Daria a ele uma versão resumida.

- Basicamente, descobri que Charlotte escondia uma coisa de mim. E surtei. Prefiro não falar disso. Eu tinha quinze anos na época e já estava sofrendo para lidar com hormônios e os problemas que tinha com minha mãe. Tomei uma decisão drástica e fui morar com meu pai.- Engoli a dor e continuei: - Abandonei tudo em pattaya e voltei para Bangkok.

Felizmente, sun não fez perguntas. Não era sobre esse periodo da minha vida que eu precisava conversar hoje. Era mais importante ele me ajudar com os próximos passos em vez de abrir velhas feridas.

Sempre Foi AmorWhere stories live. Discover now