Arthur Cervero

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Há um certo sentimento de liberdade quando piloto minha moto, algo que me conecta com o antigo Arthur - Talvez seja o vento batendo contra meu rosto ou a adrenalina de correr tão rápido que a consciência do que aconteceu parece ficar para trás por algum tempo, talvez seja o desejo quase irracional de que as coisas acabem em uma curva fechada.

Ou talvez essa seja realmente a última parte de mim que restou, uma parte que deseja desesperadamente que a velocidade corte as linhas da realidade e que eu esteja de volta aos dias em que minha única preocupação era saber que música tocar.

Eu estou bem com minha vida agora, de verdade. É só que às vezes eu me pergunto o que teria acontecido se eu não tivesse caminhado até o posto - Acho que a palavra certa não seria "arrependimento" porque provavelmente ainda teria tomado as mesmas decisões, eu ainda teria os seguido porque pareceu e ainda parece a coisa certa. A palavra exata é "culpa" e como eu poderia ter feito mais, como eu poderia não ter corrido para longe da grande aranha que despedaçou Christopher, como eu poderia ter agido e assim os gaudérios não estariam mortos, e assim meu pai não estaria morto.

Alguns anos atrás eu me sentia apenas o garoto de interior que tocava em uma banda e ansiava que sua voz chegasse a lugares além do pequeno bar de Carpazinha, que estivesse em um palco de verdade e definitivamente não reconheceria quem eu sou agora, como se fôssemos duas pessoas diferentes - talvez sejamos.

Hoje eu entendo o olhar do veríssimo, um olhar de quem perdeu tudo e por algum motivo ainda vislumbra um caminho a seguir, incapaz de fechar os olhos porque tem medo de piscar e perder a direção - E não sei se entender suas decisões me torna alguém melhor ou pior. Aprendi há algum tempo que não somos heróis, que somos apenas líderes em uma maldita guerra.

"mas estamos ganhando ou perdendo?"

Não sei se prender Kian foi o marco da nossa vitória, só parece que estamos constantemente esperando os próximos tiros sem usar nenhum colete, esperando que um dia isso acabe e com o pensamento tão assustador que nem conseguimos nos permitir a dizer que talvez isso nunca aconteça, que algumas coisas provavelmente perduram para sempre e são tão irremediáveis quanto a própria morte.

Não sei se vencemos porque ainda sinto que perdemos - Perdemos Kaiser, Joui, Thiago, Liz, Tristan, Beatrice e essa lista parece ficar constantemente maior.

  Paro a moto, descendo em seguida e sem nenhum esforço, há algum tempo me adaptei a viver sem meu braço - há algum tempo me adaptei a viver sem muitas coisas, como se essa fosse minha única escolha... Me adaptar.

Caminhei até a porta, deslizando meus dedos pela maçaneta e tentando controlar a parte de mim que deseja desesperadamente encontrar Ivete servindo bebidas ao meu pai, meus colegas de banda arrumando os instrumentos e a minha antiga equipe virando algumas doses enquanto se sabotam em um maldito jogo de "eu nunca".

  Sorrio sentindo meu peito apertar enquanto vislumbro a "equipe E" no grupo de pessoas sentadas à mesa do bar.

Wanderley observa atentamente os jovens esvaziarem copos, seu olhar quase fraterno repleto de preocupação e proteção e parece exatamente como Thiago Fritz nos olhava, evidentemente desejando que nosso destino fosse qualquer outro que não aquele, desejando que fôssemos garotos comemorando suas histórias na faculdade e não sua sobrevivência.

Bárbara encara a garrafa de whisky como se ela fosse seu passe de fuga, sua cura temporária e calcula mentalmente se existe uma quantidade de álcool que arrancará dela suas marcas, suas dores, sua memória e talvez, esperançosamente, até sua própria história. E então ela nega com a cabeça, rolando os olhos pelas cadeiras preenchidas e sorrindo aliviada - Sorri levemente ao constatar que sua história será diferente da de Liz mesmo que por um tempo parecesse condenada a isso.

E se... - O Segredo na ilha RPGOnde histórias criam vida. Descubra agora