Discurso suspeito

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O resto das férias foi entediante por um lado, mas por outro, muito produtivo.

Taylor nos fez algumas visitas e, Charlie passaria uma semana em posição fetal se eu falasse aquilo em voz alta, mas ela era uma professora melhor do que ele.

Treinei com Charlie por muito tempo todos os dias, em uma tentativa de afastar a falta do que fazer, mesclada com a ansiedade em saber de alguma coisa. E todas as vezes que Taylor vinha e treinava com a gente, as coisas rendiam melhor.

Ela era mulher, então tinha um pouco mais de tato sobre meus limites, inclusive deu algumas broncas em Charlie ao escancarar o óbvio: eu era uma colorida, não corredora.

Sua defesa sempre era que ele tentava tirar o máximo de mim, e eu sei que ele estava certo e vinha dando bons resultados até então, mas a postura mais amigável e compreensiva de Taylor dava mais resultados comigo, ao contrário do que ele achava sobre seu lado malvado funcionar melhor.

Mas acho que a verdade é que ele me distraía. Me distraía sendo bonzinho porque eu queria largar tudo e subir em seu colo, e me distraía sendo mau, porque me deixava irritada. E apesar de Taylor ser absolutamente linda, não tirava meu foco.

E com o fim das férias, no domingo que antecedia o começo das aulas, me despedi dos meus pais e fui junto com Charlie para a escola.

Ele me fez rir o caminho todo com as idiotices que falava,  tinha esse dom de me manter tão entretida que eu não conseguia pensar em mais nada que não fosse ele. Bom, pelo menos foi assim até chegarmos na escola.

Os portões que eu estava tão acostumada tinham sumido, e o silêncio de Charlie quando ficamos de frente para onde os portões costumavam ficar demonstrava que ele também havia percebido.

— Que maravilha — disse irônico ao estacionar o carro.

Andamos uns dois minutos até a entrada de fato, e meu cenho franziu ainda mais ao ver uma fila... grande, muito grande.

Notei que haviam malas sendo revistadas, e todos tinham que passar por uma espécie de arco dourado antes de entrar.

— O arco é um scanner — Charlie disse ao ver meu olhar intrigado para o objeto — detecta objetos específicos como armas, venenos ou outros tipos de substâncias.

Ergui as sobrancelhas para ele, em uma pergunta silenciosa de como ele sabia daquilo.

— Os povos não confiam na gente, somos submetidos a ele com frequência — ele deu de ombros.

Engoli em seco ainda me lembrando de como eu costumava tratar corredores há pouco tempo atrás, e novamente me sentindo mal como se tivesse acabado de insultá-lo.

— Deve ser algum protocolo novo de segurança, e sinceramente, acho que talvez seja uma boa ideia — ele deu de ombros carregando nossas malas para o fim da fila — já que não vai ter mais uma babá com você o tempo todo — sorriu, piscando pra mim e eu revirei os olhos com um sorriso.

Esperamos cerca de meia hora até nossa vez. Dois corredores se encarregaram de abrir e verificar nossas malas enquanto uma moça colorida vinha até nós dois com uma prancheta.

— Nome, sobrenome, povo, dormitório e série — ela recitou o que devia ter dito a todos até então.

Charlie me olhou, indicando que eu falasse e tentei me recordar da ordem das perguntas.

— Emily Davis, colorida, dormitório vinte e dois e segunda série.

A mulher me procurou na prancheta e assinalou algo rapidamente antes de virar para Charlie.

(Sem) Medo - IIWo Geschichten leben. Entdecke jetzt