Eu o matei

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Ao saberem sobre os detalhes de como Theo havia sido encontrado, Clara e Helena sentiram vontade de vomitar.
Levou cerca de três dias para que Sheila estranhasse completamente o sumiço repentino do chefe e o encontrasse em um estado deplorável no apartamento, tendo usado uma chave reserva para entrar.
O processo de putrefação era avançado e tinham alguns bichos devorando parte do rosto do homem, o cheiro era insuportável e o apartamento guardou todo o ar podre durante os três dias da morte.

Helena dava seu depoimento a portas fechadas para o delegado, enquanto Clara aguardada do lado de fora, nervosa que só.

O delegado tossiu e apertou os olhos para a personal.
"Vou perguntar apenas mais uma vez, senhora Helena Weinberg. A senhora reconhece esses brincos aqui?" mostrou seus famosos brincos brancos.

Ela abaixou a cabeça e não conseguiu olhar nos olhos do homem.
"São meus, delegado" ela sabia que era um fato de conhecimento da polícia e que eles apenas queriam ouvir dela mesma.

"E o que a senhora estava fazendo no apartamento do ex-marido da sua namorada?"

Helena respirou fundo. Não tinha como se livrar daquela, era fato. E passou a se perguntar se uma confissão seria favorável ou não.

"Conversar sobre o pagamento do pro labore da Clara. O Theo tinha parado de pagar."

"Então, vamos imaginar a cena. A senhora chega para conversar, se altera, vocês discutem, e aí a senhora o alveja com três tiros, é isso?"

Helena não respondeu.

"Não foi isso que aconteceu" disse baixo.

"E o que aconteceu?" falou alto, dando um murro na mesa. "A senhora quer me contar?"

"Nós discutimos e ele tentou me atacar"

"E aí você sacou a arma?"

Helena apertou os olhos, a sensação era de que estava encurralada.
"Sim."

"O motivo de a senhora ter se alterado é de conhecimento da polícia. Tem vários processos correndo na justiça e um deles por estupro. Theo estuprou a ex-esposa, correto?"

"Sim!"

"E por isso a senhora não pensou duas vezes antes de enfiar uma bala na cara do homem?!" O delegado não parecia surpreso, sequer parecia alterado de qualquer forma.

"Eu não sei o que me deu, fiquei morrendo de raiva de ver como ele parecia pleno, enquanto a Clara chorava todas as noites." Helena começou a chorar, ficando trêmula. "Eu só queria poder acabar com o sofrimento dela de alguma forma, porque eu não aguentava mais vê-la daquele jeito."

"Então, você admite? O matou, Helena?"

"Sim, o matei, e eu faria de novo!"

Clara sentiu como se seu coração fosse saltar para fora do peito quando ouviu o delegado dizer "temos uma confissão!" e viu Helena ser conduzida para fora da sala já algemada.

Sheila passou por elas, no momento em que Clara abraçou Helena, ambas com lágrimas nos olhos.

"Isso é culpa sua, você que falou da porra dos brincos serem da Helena!" esbravejou Clara, tentando acertar um tapa no rosto da mulher, mas acabou sendo contida por um policial.

"Culpa dela que não tirava esses brincos. Eu a vi pouquíssimas vezes e em todas ela estava usando eles" debochou. "Ou culpa sua, que não pagava um salário melhor pra sua amante" riu.

"A Helena não é minha amante, ela é minha namorada, e eu exijo respeito, sua cobra!"

Sheila deu de ombros e seguiu para fora da delegacia.

Clara apertou Helena em seus braços, como se não pretendesse soltá-la.

"Vai ficar tudo bem, meu amor. Você não vai ficar presa por muito tempo, eu prometo. Vou ligar pra Lumiar agora mesmo!" naquele momento, o policial que conduzia Helena, afastou Clara e continuou seguindo, até ser parado por Clara com o telefone no ouvido.

"Pra onde ela vai, moço?!

"Vai passar essa noite aqui, porque o delegado deu voz de prisão mediante confissão."

O delegado atrás deles tomou a dianteira.
"Como ela tem curso superior, a partir de amanhã provavelmente vai aguardar julgamento no Bangu 8 e quem sabe cumpra pena por lá"

Clara beijou Helena demoradamente antes que ela fosse para uma cela.

"Eu não vou sair do teu lado jamais." sussurrou.

***

Quando Lumiar apareceu, Clara estava jogada em um banco da delegacia, ainda chorando copiosamente.

"Desculpa a demora, eu vim assim que você me ligou mas o trânsito tá uma loucura, amiga." a envolveu em um abraço.

"Eu preciso dela, Lu. A Helena é tudo pra mim, não sei como vou fazer sem ela." Lumiar afagava os cabelos da amiga e a ouvia soluçar.

"Eu sei, vai dar tudo certo, tá bom? Ela é ré primária, estava muito nervosa quando aconteceu, não foi um crime premeditado e não teve ocultação de cadáver. Isso já a salva de alguns anos de condenação." Clara encarou sua amiga advogada com olhos enormes, atentos e amedrontados.

"Eu não queria passar nem um dia longe dela, Lu. Quem dirá anos"

"Eu sinto muito, muito mesmo, de verdade. Mas ela já confessou, não tem como voltar atrás."

O telefone de Clara tocou e quando atendeu, ouviu o som de risadas ao fundo, uma delas sendo de Rafael.

"Eu pensei em chamar você e a Helena pra jantar aqui em casa hoje, já que o almoço já foi mesmo" riu. "Tentei ligar pra ela primeiro, mas ela não atende de jeito nenhum.

"Sol, a Helena foi presa!"

"Presa?!" Solange gritou surpresa e todos os olhares curiosos de seus familiares e amigos se voltaram à ela. Sol sussurrou para eles: "a Helena foi presa"

"O que?!" perguntou Rafael.

"Ih Jeni, teu irmão tá surdo." disse Hugo. "A tia Sol disse que a mina da tua mãe rodou!"

"O que isso quer dizer?" disse o garoto confuso.

"Significa que ela foi presa, amor" Kate esclareceu.

"Por que diabos ela foi presa?!"

Sol esmaeceu completamente, antes de proferir: " Rafa, Jeni, o Theo tá morto, a Helena o matou!"

"Eu não acredito nisso!" Rafael parecia irritado. "Isso tem que ser algum tipo de brincadeira de mal gosto"

"A Helena matou aquele demônio, tia Sol?" Kate tinha um sorriso de orelha a orelha. "Nem acredito que ele finalmente foi despachado, meu Deus! Com todo respeito, mas sua madrasta merecia até um beijo!"

Rafael fechou a expressão, realmente chateado, pegou a mochila e saiu sem se despedir, nem mesmo de Kate. Enquanto todos os outros ainda chocados, digeriam a notícia.

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