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PRESENT (21st century; 2010)

    ALMA LÚCIOS' POV

    Meus pés descalços tocavam o chão gelado e cheio de poças de água. A barra do meu vestido arrastava no asfalto úmido, ficando molhada e suja. Eu abraçava meus próprio corpo, tentando conter um pouco da ansiedade e do frio na barriga que eu sentia. Meu cabelo úmido escorria pelas minhas costas nua, me deixando sentir um pouco de frio. Eu maltratava meus lábios com os dentes, ao ponto de ter a impressão que eu estava sentindo o gosto metálico de sangue na ponta da minha língua.

    Nuvens cinzas e carregadas cobriam o céu e o Sol por inteiro. Um show de luzes estava sendo apresentado por trás das cortinas escuras no céu, fazendo muitas pessoas correrem para lugares seguros. Trovões faziam o solo tremer e minha cabeça doer. A ventania levava minhas madeixas e o pano verde claro do meu saiote para trás, quase me puxando junto com a sua força. As folhas secas e poeiras voavam cada vez mais para longe, e as árvores se envergavam para trás, dando a impressão de que cairiam a qualquer momento. O uivo do vento era tão alto que parecia querer contar algo importantíssimo, ou até mesmo contar um segredo para quem estivesse disposto a ouvir.

    Dias chuvosos traziam a tona lembranças boas e ao mesmo tempo dolorosas. Me faziam lembrar dos cabelos negros longos e da pele pálida e fria. Da jaqueta de couro com cheiro de terra molhada. Das mãos finas e longas segurando com firmeza a minha cintura. Dos sorrisos de canto e das arqueadas suaves de sobrancelha. Do metal gelado na língua. Dos seus lábios macios e delicados que faziam eu me sentir mais no céu do que o fato de ser um anjo da vida. Dos braços magros me rodeando. Das saídas noturnas fora dos olhares julgadores de terceiros. Dos banhos de mar a luz do luar... me faziam lembrar que eu sentia falta dele, e não raiva.

    Eu andava com certa pressa a caminho de um dos hospitais públicos da cidade. Eu já estava a horas procurando a incubadora certa e nada de encontrar. Me sentia estressada, frustrada, cansada e desesperada. E por causa disso eu não pararia até achar o que eu queria.

    Quando a fachada do hospital surgiu na minha visão, um suspiro trêmulo e nervoso escapou dos meus lábios. Se ele não estivesse aqui, eu não saberia onde mais eu deveria procurar.

    As portas de vidro me receberam. O lugar cheirava a soro e a alvejante, como qualquer outro hospital. Era gelado por conta do ar condicionado e havia enfermeiros e médicos andando de um lado para o outro. A sala de recepção se encontrava quase vazia, e o dia não parecia estar agitado para nenhum dos funcionários.

    Meus pés me levaram até a escadaria, que me levaria até o andar mais calmo e, consequentemente, até a incubadora.

    O hospital estaria completamente silencioso se não fosse pelo barulho da tempestade que estava chegando do lado de fora. Os vidros das janelas estremeciam com a força do vento. As cortinas dançavam por culpa das frestas dos vitrôs, que deixavam a brisa gélida entrar.

    A escadaria extensa me levou a uma sala escura; pouco iluminada. Era quieta, já que as paredes cancelavam ruídos e era um dos andares mais altos. Não havia muitas pessoas lá dentro, no máximo alguns enfermeiros da área. Um vidro separava o público das reais incubadoras, que era onde os recém-nascidos prematuros ficavam.

    Meus olhos passaram por toda sala, até encontrar o bebê que eu queria. Um sorriso aliviado se abriu em meu rosto quando eu o encontrei. Dei passos lentos até onde ele se encontrava, atravessando a barreira de vidro grosso. Minhas mãos se procicionaram delicadamente acima de sua incubadora, admirando o pequeno e frágil corpo do menino.

    A pele pálida como a neve, as mãos pequenas e delicadas, o rosto redondo e fofo. Com o nome "Xavier" marcado na etiqueta, o apresentando para quem quisesse. O nome que significava recomeço, que na minha opinião, combinava exatamente com o pequeno.

𝕳𝐄𝐀𝐕𝐄𝐍 - 𝕭𝐢𝐥𝐥 𝕶𝐚𝐮𝐥𝐢𝐭𝐳Onde histórias criam vida. Descubra agora