Acordo em completo pavor, paralisada, com o desespero entalado numa garganta na qual nenhuma corda vocal ganha vida, apesar dos meus esforços — minha mente, lá no fundo, reconhece que é apenas uma incapacidade temporária durante a transição de sono e vigília, também conhecida como paralisia do sono."Ah, eu sou médica", eu recordaria algum tempo depois, mas mesmo esse pensamento tão óbvio de autorreconhecimento tardaria a chegar, enquanto eu sinto, com extrema intensidade, que eu não estou na minha cama, que eu não reconheço esse lugar e que eu não faço ideia do porquê de eu estar aqui.
Escuto uma voz masculina ao longe, em outro cômodo, falando baixinho, e meu coração acelera, a adrenalina queimando no sistema em busca de uma forma de permitir que eu pudesse me movimentar para poder fugir de um perigo iminente. O primeiro reconhecimento confuso é o de perceber que eu lembrava daquela voz de algum lugar; e, embora eu não lembre da pessoa a quem a voz pertence, eu sei que tinha encontrado aquela pessoa pela primeira vez muitos anos atrás.
Era meados do mês de março. Aquela época, após o carnaval, em que os solteiros começavam a procurar uma costela na qual se aconchegar pelos próximos meses. Eu também estava nessa busca, embora não porque eu tivesse qualquer apego ao carnaval — e sim porque me sentia muito sozinha nos últimos tempos.
Prestes a completar vinte e três anos, recém-formada em medicina, eu não fazia muita coisa da vida além de estudar desde que me entendia por gente. Isso explicava, inclusive, porque, nesta idade, eu ainda não tinha engatado em nenhum relacionamento — eu me recusava a contar uns beijos com colegas de faculdade em calouradas como relacionamento de qualquer tipo; até porque o medo paranoico de meu pai de que eu acabasse me apaixonando e me mudando definitivamente para longe sempre fazia com que eu enterrasse muito cedo qualquer possibilidade de relacionamentos mais duradouros.
O fato de ter passado seis anos morando na maior cidade do país para estudar também não me fazia muito popular na cidade em que nasci, conhecida mundialmente como capital do agronegócio — minha mãe, inclusive, sendo herdeira de uma grande propriedade especializada em produção de soja da região.
E tudo isso se resumia, por fim, à mim — nas palavras não muito felizes da minha mãe — "atirando para todos os lados", ao ponto de ir em um encontro com um cara com quem vinha conversando há algumas semanas pelo Instagram e com quem eu tinha alguns interesses em comum.
Suspirei e saí do carro, dando uma olhada na minha aparência pelo reflexo na janela. Eu tinha viajado para a capital do estado no dia anterior, que ficava a quase mil quilômetros de distância, numa decisão impulsiva de participar de um encontro do Conselho de Medicina (que no fim, se provou apenas mais um evento de campanha dos candidatos a conselheiros da eleição que ocorreria em alguns meses), o que deixou meu tempo apertado para retornar à minha cidade no dia de hoje — o que justificava minha aparência estar uma bagunça..
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Quantos encontros me trouxeram aqui
Romance〰️ Um conto-romance para suspirar 〰️ Exausta e ansiosa da rotina de trabalho intensa, Isabela acorda em paralisia do sono. Por quinze segundos, é incapaz de lembrar quem era e onde estava, mas sabia que não estava na própria cama. Apavorada, percebe...