Capítulo 2

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Mais vezes do que gostaria admitir, Willa se flagrava mexendo os dedos conforme as notas musicais de suas peças favoritas. Antigamente, o exercício simples ajudava a destravar suas articulações; hoje em dia, era uma maneira de forçar os dedos a tentarem se mover com a mesma elegância de antes.

Desde a saída do hospital, havia tentado tocar mais vezes do que se permitiria admitir, entretanto, em nenhum momento foi capaz de avançar mais que três linhas das partituras sem sentir cãibras insuportáveis nas mãos. Até sua memória sensorial parecia vacilante, impedindo-a de tocar as músicas que uma vez teria sido capaz de executar de olhos fechados.

— Wills? — Roxy chamou.

A colega de trabalho apontou o queixo para as mãos de Willa, que ainda estavam posicionados no acorde invisível sobre a pia.

— Chopin?

Suas bochechas assumiram o mesmo tom rosa dos seus cabelos.

Roxy, a chefe da cozinha, era uma grande apreciadora de música clássica, além de ser uma presença constante nos bastidores musicais de Lynx.

— Debussy — corrigiu.

Roxy assentiu.

— Bash comentou que você não aparece no teatro há algum tempo, — arqueou a sobrancelha — ele sente falta da aluna favorita.

Os lábios de Willa se abriram em um sorriso.

— Seu marido pode até ter um aluno favorito, mas eu tenho certeza absoluta que essa pessoa não sou eu, Roxy.

Desde a primeira vez que seus dedos finos tocaram as teclas de marfim de um piano, Bash foras seu mentor. Eles haviam passado quinze longos anos treinando, praticando, compondo e principalmente, discutindo.

— Pode ser, — Roxy sorriu — mas sem dúvida você era a mais talentosa, menina.

Ela mordeu o lábio para evitar um sorriso.

Bash costumava dizer que, apesar de Willa ser um pé no saco, pelo menos o tamanho do seu ego era proporcional ao seu talento. Não era exatamente um elogio, mas ela preferia enxergar o pequeno reconhecimento por trás da crítica.

A garota pegou outra panela e voltou a escovar o fundo gorduroso ao mesmo passo que tentava reprimir o sentimento crescendo em seu peito. Ela sentia falta, tanta falta de passar horas e horas alisando as teclas do piano, enxergando as notas dançarem ao seu redor enquanto a música envolvia sua mente, seu corpo e sua alma, como se fosse uma extensão dela mesma. Quando tocava, não havia delimitação onde ela terminava e onde a música começava.

Houve um tempo onde pensou que a música era parte dela, até entender que, na verdade, ela era parte da música.

Soltando um suspiro pesaroso, tentou voltar ao presente. Será que algum dia aprenderia a lidar com a falta de algo que já não lhe pertencia?

— Willa, qual sua previsão para o Um de Nós nesse ano? — Nolan gritou do outro lado da cozinha. — A banca da esquina vai começar a aceitar apostas a partir de amanhã e eu tenho intenção de ganhar o dobro do que ganhei no ano passado.

Ela piscou duas vezes tentando entender do que diabos o garoto estava falando quando as palavras "Um de Nós" assentaram em seu cérebro.

Ah. Isso.

— Ei, — Roxy brandou — se a Wills for ajudar alguém a ganhar dinheiro com essa merda, é óbvio que será a chefe dela, Nolan!

Willa revirou os olhos enquanto o restante da cozinha entrava em uma discussão acalorada sobre o programa.

Um de NósWhere stories live. Discover now