O ciúme dói nos cotovelos

583 48 50
                                    

O ciúme dói nos cotovelos
Na raiz dos cabelos
Gela a sola dos pés
Faz os músculos ficarem moles
E o estômago vão e sem fome
Dói da flor da pele ao pó do osso
Rói do cóccix até o pescoço
Acende uma luz branca em seu umbigo
Você ama o inimigo e se torna inimigo do amor
O ciúme dói do leito à margem
Dói pra fora na paisagem
Arde ao Sol do fim do dia
Corre pelas veias na ramagem
Atravessa a voz e a melodia.

- Elza Soares

 

Que gosto amargo tem o ciúme, e devo querer começar a falar sobre ele, pois é a primeira vez que o sinto em demasia, tão fortemente que me nauseia. Ciúme este que nem sequer deveria existir; não admito estar sentindo isto por uma mulher que nem sequer é minha de fato. É e não é. Sinto que é e ela me faz crer que sim, mas nos rastros da vida que temos vivido juntas há quase seis meses, me parece que não.

Nos últimos meses, Simone tem passado os finais de semana comigo, sempre que pode. Às vezes sou eu quem a repreende por sair tarde da noite de seu apartamento e ir até o meu para dormir abraçada comigo e sair cedo o suficiente para que ninguém a veja por lá. Alguns dias ela me faz prometer que irei deixá-la me trazer até em casa quando saímos do Senado. Tantas vezes sinto que sou mais cautelosa que Simone e quem deve algo a alguém e ela e não eu.

Na ultima semana me vi sentir na pele um calafrio estranho, um nó no estômago, um desejo desesperado de poder dizer “ela é minha mulher, faz o favor de não beijar o ombro dela, ou tocar sua cintura...”. 
Quando Simone precisava voltar ao Mato Grosso do Sul, quase ficava incomunicável, acho que ansiosa e temerosa de ser pega digitando algo que não deveria ou de receber uma ligação que ela não saberia como recusar. Há dois dias não nos falamos e há dois dias estou me corroendo dentro de mim mesma. Ela esteve ao lado dele – o “marido” – na inauguração de um novo Paço Municipal que vai ser intitulado com o nome do pai dela. Era um evento importante e cheio de emoções para Simone, eu sabia, e estava feliz e empolgada por ela, até que vi os vídeos... Eles estavam tão próximos e pareciam estar se dando tão bem, e... ela parecia tão feliz que eu me senti um pedaço solto da vida dela. Sabe aqueles fiapos em uma blusa de tecido muito delicado que se puxar se desfaz inteira? Eu me sentia exatamente como esse tipo de blusa, mas Simone, sem querer, puxou esse fiapo e eu estou aqui me desfazendo, sem nem poder falar sobre isso. Na verdade, sem nem sentir o direito de que posso sentir isso.

Eu chorava levemente na beira do sofá enquanto Cecília queria me encher de tapas por estar daquele jeito enquanto Simone estava feliz com sua família. Minha amiga passou a noite comigo me ouvindo reclamar de cada foto e vídeo que eram publicados. Contei a Cecília sobre nós no terceiro mês e ela ficou receosa por mim, mas só queria que eu soubesse exatamente o que estava fazendo e que não me colocasse em algo que não fosse me fazer feliz. Quando vim para Brasília, ela veio comigo sem pensar duas vezes, crescemos juntas, nos tornamos mulheres juntas, ela é a irmã que eu nunca tive; eu sabia que ela temia tanto quanto eu que esse enlace com Simone se desfizesse e me desintegrasse junto.

- Helena, levanta! Para de chorar pela Simone. Nós vamos sair, tomar um café ou uma dose de tequila, seja lá o que vai fazer você sair dessas lamentações. – Ela dizia me puxando sofá abaixo por uma perna.

- Cecília, me larga!!! Eu não vou pra lugar nenhum, quero ficar e xingar a Simone!!! – Eu me rebatia tentando puxar minha perna de volta, mas acabei caindo no chão e ela sobre mim. – Puta merda, Ceci, bati minha cabeça. – Choramingava com a mão na cabeça, mas ao mesmo tempo ria junto dela, que quase soluçava de tanto gargalhar. Ficamos as duas deitadas no tapete, braços e pernas encostados, olhos pairando o teto. Cecília encaixou nossas mãos e eu me virei sorrindo para ela.

Teus lábios: Minha poesia Where stories live. Discover now