Mudanças bem-vindas

30 2 1
                                    

Durante o percurso que faço a pé até a cafeteria, me questiono como será a vida após minha mudança para Seattle. Sei que estou preparada para isso, porque  História sempre foi minha maior paixão e poder propagar o conhecimento e aprender também com os alunos é uma ideia que ainda me dá euforia.

Mas também tenho receio que por serem alunos do ensino médio, de no máximo oito ou nove anos mais novos que eu, eles não me respeitassem. E se me achassem nova demais para ter alguma credibilidade?

Sei que também vou sentir saudades da convivência com os demais na cafeteria, dos clientes que memorizei os pedidos e das poucas vezes que transitando entre as mesas nos períodos mais calmos, ainda ouvi as histórias de algumas pessoas solitárias demais. 

Antes de chegar no meu destino eu paro duas quadras antes, vendo ao longe o mar refletir os barcos e o céu em uma pintura quase pitoresca. Em Seattle eu não terei vistas tão belas assim do porto e não terei meus pais por perto.

– Bom dia. – Cumprimento Dana e Taizoo que estão enchendo as vitrines com  aqueles doces de dar água na boca. 

Ambos me dão sorrisos pequenos e voltam a sua tarefa.

Não me surpreendo nenhum pouco quando, depois de voltar da sala dos armários, encontro Arthur na bancada das bebidas, ele está vestido com o mesmo uniforme que nós usamos e uma boina preta que esconde os cabelos vermelho-fogo.

– Ei, chegou cedo – tento uma abordagem mais suave e ele me ignora completamente, como se nem tivesse ouvido minha voz. Aquilo me irrita profundamente. – Arthur, vai fingir que não estou aqui mesmo?

– E você está? – ele retruca e me olha quase magoado – Caramba, custava dizer antes do novo emprego?

– Eu não sabia como você iria reagir, por isso protelei.

Arthur revira os olhos, num gesto mimado e impaciente que sempre faz quando é contrariado. Ele volta a abastecer a máquina de café com os grãos torrados que é moído na hora e me enxota com a mão.

– Está na hora de abrir a loja.

A tensão entre nós é ridiculamente forte, do tipo que hoje atrapalhará o desempenho total de nossa equipe e eu abro a porta e me sento na cadeira do balcão completamente zangada.

Me sinto culpada por não sorrir e ter meu costumeiro bom-humor com os clientes, mas eles parecem compreender, que até eu, a garota-sorriso, como Guila apelidou, tem dias ruins.

É na pausa das oito e meia que o show realmente dá início, quando Arthur diferente do habitual reúne os funcionários na cozinha.

– Aconteceu algo? – a garota recém contratada como ajudante de cozinha de Dana, indaga. Seus olhos castanhos escuros estão arregalados, talvez com medo de um possível anúncio de corte de funcionários.

Arthur respira fundo e enxuga as mãos molhadas no pano atoalhado preto que está pendurado no avental, os olhos castanhos cor de mel encaram um por um de nós criando uma tensão ridícula e quase insuportável.

– Não aconteceu nada, Friesia. – assegura ele e eu me recordo do nome da garota, era eu quem tinha pego seu currículo mês passado quando ela entrou aqui questionando se precisávamos de novos funcionários. – É apenas uma reunião rápida que normalmente fazemos no fim do expediente, mas resolvi adiantar hoje.

Novamente sua atenção volta em mim e eu engulo a saliva que engrossou na boca.

– É novidade para mim também e me pegou totalmente de surpresa. Mas Elizabeth anunciou ontem que deixará de fazer parte da nossa equipe ainda essa semana. Gostaria de dizer a eles o porquê, Elizabeth?

Bonequinha de luxoWhere stories live. Discover now