CAPÍTULO 1

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AVISO: Este capítulo contém narração de violência doméstica, física e psicológica. Os atos aqui narrados não são romantizando-se de maneira alguma pela autora.
Leitura a critério próprio!


VERÔNICA WALKER

Desembrulhei o pirulito e o coloquei na boca, sentindo a parte interior dos meus lábios arderem. Estavam machucados até a gengiva, mas eu iria sobreviver. Eu sempre sobrevivia.
O calor do Rio de Janeiro estava fazendo meu corpo suar, mas enquanto crianças brincavam na laje com banhos de mangueira, eu observava a vista e encarava a praia e o Cristo Redentor. Eu costumava ser uma grande amante do mar, mas nos últimos três anos eu permaneci no alto desse morro, vendo minha vida passar diante dos meus olhos. Vivendo cada dia da minha sentença de morte, minha prisão perpétua.
O Brasil não é um país ruim de se viver e me mudar para cá não foi um sacrifício enorme. Eu estava sozinha nos Estados Unidos e me misturei a gangue de um cartel mexicano, até que terminei aqui, negociando o transporte ilegal de peças automotivas, bebidas alcoólicas e cigarros. Eu sei que outras coisas mais pesadas fazem parte desse tipo de negócio, como drogas ilícitas, armas e, muitas vezes, pessoas, entretanto eu nunca me envolvi com esse tipo de coisa. Gostava de me iludir e fingir que ninguém se machucava no final. Eu só precisava sobreviver. Sempre sozinha.
Antes eu tinha o país inteiro para me aventurar, hoje não posso cruzar as linhas dessa favela.

Observei o sol brilhando no horizonte e nos fazendo suar sob si. O calor extremo fazia minha pressão descer feito uma criança num toboágua, porém a água gelada da mangueira ajudava a me refrescar e a me manter acordada.
Eu ouvi o barulho do portão, mas o ignorei. Os passos pesados dele subiram os degraus de concreto e eu o ouvi resmungar ao entrar em casa e não me ver. Os passos foram se aproximando.

— Ei! — ele me chamou

Eu olhei para baixo e então o vi. Seus olhos ferozes focados em mim e me causando um arrepio ruim. Dante tinha os cabelos presos num coque baixo desajeitado e usava as roupas sociais que seu pai o obrigava a usar.

— Tá quarenta e dois graus, mulher. — ele apoiou a mão na testa, fazendo sombra nos olhos enquanto olhava para a laje — Desce daí, eu quero atenção.

Eu suspirei e me levantei, molhando o rosto uma última vez. Desliguei a torneira e encarei o horizonte mais uma vez. A liberdade virá um dia?
Me apoiei na escada de madeira e comecei a descer devagar, sentindo o calor deixar meu corpo mais mole.

— Ei! — Dante resmungou ao me amparar, quando meu corpo despencou — Seria uma queda feia se eu não estivesse aqui, hein?! Depois eu é que sou doido.

A madeira gasta machuca minha canela, mas eu não reclamo dos arranhões ardidos. Deixou que Dante me segure e me leve pra dentro da pequena casa, onde ele me senta em uma das quatro cadeiras da cozinha.

— O que tem pra comer hoje? — ele me olha — Além de você, é claro.

Reviro os olhos disfarçadamente e bebo um gole de água.

— Eu fiz feijoada. — murmuro

— Ih, aí sim! — ele sorri ao ir até o fogão — Tá boa?

— Não sei, eu não provei.

— E por que não? — ele praticamente põe o rosto na panela, sentindo o cheiro de comida fresca

— Você sabe que eu não gosto de feijoada, Dante. — resmungo

— Você é muito estranha, Vevê. — murmura — Não me admira que viva desmaiando pelos cantos.

Ele fechou a panela e jogou seu blazer no meu rosto, fazendo eu me afogar em seu cheiro.

Laços Proibidos - Coração vs LeiOnde histórias criam vida. Descubra agora