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As grandes histórias de amor são obrigatoriamente breves e trágicas.

Incendeiam os corações do mundo com as suas desventuras e os seus dramas apaixonantes. Consomem-se na fogueira ardente de paixão furiosa que atearam, e as suas brasas, de tão quentes, continuam a aquecer mesmo depois de passados tantos anos, séculos e impérios. Raramente terminam bem ou têm um futuro após o encontro dessas almas gémeas que pareciam destinadas a se fundirem para todo o sempre – daí que sejam breves e trágicas.

Mas essa certeza não lhes retira a maravilha.

Pelo contrário. São as histórias de amor mais improváveis, pejadas de obstáculos e eivadas de contrariedades, que preenchem a imaginação coletiva da humanidade.

Os seus protagonistas são celebrados pelas sucessivas gerações que se inspiram no seu exemplo para encontrarem uma definição de amor que satisfaça as suas fantasias e as suas ambições. Os nomes dos casais aziagos, que souberam amar durante um fugaz momento de êxtase que durará por uma vida inteira, que perdurará na História das civilizações, são os magnos exemplos desse sentimento magnífico, pungente, elusivo e indecifrável que se chama amor.

Romeu e Julieta. Tristão e Isolda. Marco António e Cleópatra. Orfeu e Eurídice. Abelardo e Heloísa. Pedro e Inês. Napoleão e Josefina. Lorde Nelson e Lady Hamilton. Bonnie e Clyde. Aristóteles Onassis e Maria Callas. Richard Burton e Liz Taylor...

Nem todos têm a sorte de viver um grande amor.

Nem todos reconhecem o amor quando este surge, insinuando-se devagar ou explodindo num festival de cores.

Nem todos têm fantasias e ambições.

Nem todos conhecem as grandes histórias de amor do mundo.

Mas quem as conhece, faz uma reflexão cínica.

O amor também é uma questão de escolha, de seleção, de sobrevivência, de sanidade, de tranquilidade, de oportunidade, de gestão, de vitória ou de derrota. O amor pode ser ilusão e desilusão. O amor pode ser unilateral ou correspondido, grande ou pequeno. Tem várias facetas, tem várias figuras, tem vários graus. Tem temperatura, cheiro, espessura, dimensões, logro, assombro, divindade, saudade e quantidade. Tem tudo o que queremos que o amor tenha.

Então, vem a reflexão...

Conta-se que ao maior dos heróis gregos de antanho, Aquiles, antes da sua formidável senda de guerreiro mais poderoso do mundo, foi-lhe dada a hipótese de decidir sobre o seu destino – ter uma vida longa e anónima, ou ter uma vida curta e gloriosa. Aquiles preferiu, como sabemos, a segunda hipótese. E teve, efetivamente, uma vida curta e gloriosa.

Em relação ao amor, eventualmente chega o momento em que também temos de fazer a escolha de Aquiles. Queremos uma história de amor pacífica ou tumultuosa? Queremos uma história normal de amor... ou uma grande história de amor?

Conhecemos os perigos e os desafios por causa dos exemplos passados, por causa do que aconteceu ao herói Aquiles... e, afinal, o que escolhemos?

Então, entra o sonho e a realidade.

Pesamo-los na mesma balança.

O que temos e o que não temos.

O corpóreo e o incorpóreo.

A fome e a comida.

Então, a maioria das pessoas escolhe o amor banal, o amor corriqueiro, o sossego estável de um quotidiano previsível. A tal vida longa e anónima. A certeza dos dias e de um passar dos anos sem sobressaltos. Mas, no fundo, naquele cantinho secreto do seu coração rebelde, todas essas pessoas ambicionam a emoção dos amores imortais cantados em poemas e canções, retratados em livros e filmes, pejados de exageros e de amplos momentos de profundo deslumbre pelo amante que empenha a própria vida no matrimónio que os deuses vão ungir para a eternidade. O sacrifício não será, jamais, em vão.

O amor é essa armadilha doce que nos enreda e nos confunde, que nos faz dizer e fazer coisas impensadas, que nos ludibria e magoa, que nos exalta e afunda, que nos completa, uma droga viciante que custamos a largar, uma lassidão perigosa que nos transtorna as moléculas, um alheamento delicioso que nos inquina o espírito, aquela febre excitante que nos recobre o corpo de arrepios. Queremos que o amor more em nós e na nossa vida, quer esta seja curta ou longa, quer esta seja gloriosa ou monótona.

Sem amor, não há vida, chegamos à conclusão – perplexos e amputados e conformados e mais sabedores dos mecanismos do universo após a filosofia.

Mas antes de a escolha ser posta diante de nós? Antes daquele instante único, que nos ultrapassa se não estivermos atentos, em que o amor surge e pede-nos o compromisso...

Antes disso, como é que reconhecemos o amor? Como é que alcançamos o amor?

A maior dúvida de todas!

Somos nós que procuramos o amor ou é o amor que nos encontra?

Passamos a vida toda de braços estendidos à espera daquele calor e carinho especiais que nos consolam e nos dão segurança. E quando esse abraço chega, o abraço especial, não o queremos perder nunca.

Quando reconhecemos a nossa grande história de amor, ainda que saibamos que muito provavelmente seja breve e trágica, não a queremos perder.

O amor fica em nós – como marca, como certeza, como lembrança, como permanência.

O amor fica sempre em nós.

Eu sabia que amava. Julgava saber que amava. No meu pensamento romântico estava disposta a qualquer juramento e promessa para provar a grandeza do meu amor. Estava até disposta à imolação para mostrar a toda a gente de que o meu sentimento era sério, que era verdadeiro, que existia, sólido e mensurável, que podia ser comprovado e definido, que podia ser visto pelos outros, não apenas por mim.

Eu vivia uma grande história de amor.

Eu vivia a mentira de uma grande história de amor.

Estava apaixonada. Estava.

Estava completa e cegamente apaixonada.

Acho que na névoa daquela ilusão poderosa resolvi apaixonar-me mais, concentrar todas as minhas energias nessa paixão e vivê-la sem me importar com consequências, enganos ou malefícios. Porque sabia que para viver uma grande história de amor que ficasse gravada no mundo e que fosse recordada séculos mais tarde, celebrada em poemas, livros e filmes, no coração das pessoas igualmente apaixonadas e sonhadoras, era preciso ir mais além do que já tinha ido.

À semelhança de Aquiles, eu escolhia a vida curta e gloriosa.

Se não tivesse sido assim, não saberíamos quem tinha sido Aquiles e a lógica que determinava as minhas ações e reações afigurava-se-me irrepreensível.

Porém, como todas as paixões avassaladoras, como as grandes e breves e trágicas histórias de amor, haveria de ter um fim.

E como todos os fins, não foi agradável.

O Palco que Fica AbandonadoWhere stories live. Discover now