Dois: Fantasias são apenas fantasias, não são?

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— Eu acho que está fofo.

— É um estereótipo — Ji Yi retrucou Augusta. — Vocês usam muito essa palavra nessa década, não, queridos?

— Tias, parem de falar como se estivéssemos no futuro. Estamos apenas em 1992.

É o futuro para mim, Xichen.

Lan Wangji quase repensou a ideia de ir à festa — ou de permitir que as suas tias ajudassem na escolha da fantasia —, mas, horas depois, após exclamações, conversas, subir e descer de escadas em buscas de baús, objetos perdidos no sótão e um demorado banho, encarava o reflexo no longo e oval espelho do quarto com um ar de satisfação. Estava fantasiado de bruxo. Era, de todas as maneiras possíveis, a maior ironia do mundo. Era, também, um estereótipo, com o chapéu pontudo, cortesia de uma festa a caráter de 1959, segundo Ji Yi; diversos colares sobre o pescoço — cada um representa uma forma diferente de energia —, e a camisa preta abotoada, sua, as calças pretas e a bota da mesma cor, também suas; e a jaqueta de couro escuro, cortesia do irmão, complementavam a fantasia de um típico bruxo moderno. Ele só não contava com a presença de um último item: uma bengala prateada com a cabeça de um corvo entalhada na ponta em intrincados detalhes.

Aquele item ficara sem explicação.

— Eu só acho que a maioria dos jovens que vão às festas hoje em dia não sabem se vestir direito — Augusta comentou. Ela tinha um cigarro nos dedos, que cheirava estranhamente a morango. — Esse não é o seu caso, Lan-Er. Provamos que é muito conveniente ir fantasiado de bruxa para uma festa por duas bruxas.

— O chapéu é um exagero — Ji Yi argumentou. — Mas nenhum mortal compreenderia os significados desses colares.

No quarto, o vinil, misteriosamente, havia sido trocado para outro disco. Agora, tocava The River, do Bruce Springs. Ele não se lembrava de ter mudado, mas aquelas horas haviam passado em tanta euforia — mais biscoitos; "não é esse baú, é o em cima dele"; o telefone ora ou outra tocando num som que ecoava pela casa. Agora, as nuvens aproximavam-se e a cidade para além das janelas era um campo de telhados dourados e prédios escuros com a floresta ao redor; copas de árvores altas e desprovidas de galhos; abóboras delineavam as ruas e algumas crianças começavam a correr de um canto para o outro. Na residência 13 da Cornhill, no entanto, assuntos muito mais importantes tomavam foco no momento.

— Lembre-se de não interagir com nenhum homem com olhos dourados demais — Ji Yi pediu. Ela sempre mantinha um xale ao redor do corpo. Hoje era um bordado de branco e azul. — Nunca sabemos quando os lobisomens decidem aparecer, a não ser nos dias de lua cheia.

Lan Xichen, que havia ido rapidamente para o próprio quarto, voltou com uma bolsa nas mãos e vestido socialmente. — Já tenho que ir, tias.

— Você volta para jantar? As crianças nunca pegam os nossos doces se você não está. Uma delas já gritou comigo me chamando de bruxa — Augusta tragou o cigarro longamente. — Como se fosse uma coisa ruim.

— Isso porque não foi você que levou um pedaço de abóbora recheada na cara no halloween de 76.

— Isso não foi em 78?

— Foi? Eu—

— Tias — Lan Xichen chamou a atenção delas. Rapidamente, beijou cada uma no rosto. — Voltarei para jantar e atrair todas as crianças da rua para a nossa casa para que possam receber os feitiços de proteção. É um dia curioso para feitiços, não é? — Antes que elas pudessem responder, ele perguntou a Lan Wangji: — E você? Vai ficar bem? Tem dinheiro na gaveta lá embaixo. Leva os seus documentos, a chave e eu quero você em casa antes das duas da madrugada, entendeu?

Blood in The Cut (Short-Fic) [WangXian]Hikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin