Capítulo 26 - Desejo (parte 1)

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"Queremos saber o que aconteceu para estarem com essas caretas tão cedo?"

Foi a pergunta repentina de mamãe ao nos encontrar de manhã na biblioteca, interrompendo a discussão resmungada enquanto Hector massageava a lombar como um senhor entrevado. Também mal pude conter uma careta dolorida quando me virei rápido e vi meus pais.

Eu e Hector trocamos um olhar e meu rosto aqueceu. Provavelmente eles não queriam saber, mas, para não pensarem o pior, dei a parte simples da verdade:

— Adormecemos no sofá. E acordamos caindo dele.

Claro que mamãe estranhou e quis fazer mais perguntas, porém, Hector deve ter razão sobre o tal "instinto de autopreservação" de papai, porque ele franziu as sobrancelhas e então seguiu para seu gabinete, resmungando algo ininteligível. Me aproveitei disso e puxei Hector para a saleta antes que mamãe comentasse mais alguma coisa — mesmo sendo cedo para ter alguém além de nós e os guardas na biblioteca, nunca se sabe quem poderia estar ouvindo.

E nem tortura seria capaz de me fazer explicar de forma minimamente coerente o que aconteceu naquelas últimas sete horas...

Como, em algum momento durante a espera do amanhecer, respirando a respiração dele, adormeci em seus braços... e tive sonhos perturbadores novamente.

Mas não os pesadelos que estou acostumada.

Nada de sombras, frio e paralisia.

Foi como cair na cena de um dos folhetins que leio. E não qualquer tipo de cena: as mais... picantes. Sonhar com uma cena que tinha lido recentemente também não seria nenhum espanto... não fosse por eu ser parte dela, não mera espectadora, como imagino ao ler. E se Hector não estivesse no sonho comigo.

Nós estávamos no lugar dos personagens.

E, tal como acontecia no folhetim, ele me acariciava com as mãos e a boca... e eu fazia o mesmo nele, sentindo seu calor e o gosto de sua pele...

Despertei ofegante e febril. O sol ardia meu rosto sem que eu tivesse como ir me refrescar, presa no cobertor entre o encosto do sofá, o enlace de Hector e algo duro pressionado contra minha barriga.

Por um momento fiquei confusa, pois lembrava de ele ter colocado a caixa-musical na mesa de centro.

Então, três segundos depois, recordei de outra cena do folhetim no qual meu sonho foi baseado, recorrente em vários outros romances: o estado matinal de certos personagens masculinos.

Os avisos moralistas das aulas de educação sexual, sobre resguardo e autocontrole e leis de controle de natalidade e riscos à honra ao se estar perto de um homem nesse estado... nenhuma dessas coisas sequer murmurou em minha mente.

Ao entender o que estava acontecendo, meu primeiro pensamento foi:

"Ah, então é verídico! Por isso as personagens ficam chocadas. Fica duro enquanto eles dormem mesmo!"

E isso me deixou com mais vergonha do que a situação em si. Quase escondi o rosto efervescente em seu peito.

Mas nesse momento ouvi a batida na porta.

Eram Rosa e Brigitta aguardando para entrar.

Meu coração derreteu em cera fervente e por um segundo fiquei paralisada diante da situação: minhas camareiras batendo na porta, eu e Hector agarrados no sofá, e ele evidentemente... evidente. Mais três batidas e elas entrariam. Balancei o ombro dele com força para despertá-lo.

Hector abriu os olhos desnorteado. Nem parecia entender o que balbuciei apressada sobre sair para eu abrir a porta. As sobrancelhas grossas se ergueram, ele encarou meu rosto e seu braço me envolvendo... então para baixo, para si mesmo. Num segundo, o torpor desvaneceu com a compreensão de seu estado. A vergonha em seu rosto teria sido estranhamente fofa e hilária... se ele não tivesse recuado de abrupto.

Tratado de Vidro - HIATUSOnde histórias criam vida. Descubra agora